Vamos fazer um passeio de ônibus?
Recebi este convite irônico nesta Sexta-Feira Santa. Nem precisei responder.
Por que irônico? Porque partiu de minha irmã que com certeza estava se lembrando, assim com eu já havia feito logo pela manhã, de um desastrado passeio feito neste dia santo, há aproximadamente 6 décadas.
Vivíamos em Rio Claro no interior paulista e o slogan da administração municipal àquela época estimulava a visita à cidade.
Ouvia-se com frequência a frase: Conheça Rio Claro, a cidade que se expande dia a dia.
Vivia-se um tempo muito diferente dos dias atuais. A Semana Santa era um período onde as diversões e prazeres, principalmente para os cristãos, eram deixados de lado em total respeito ao martírio e morte de Cristo.
Em nossa casa a televisão e o rádio eram proibidos de serem ligados. Não programávamos passeios, jogos ou qualquer outra diversão que despertasse risos e consequentemente barulhos.
O respeito pela data sempre foi priorizado e entendíamos isso.
Em meados dos anos 60 eis que numa tarde de Sexta-Feira Santa o tédio irrompeu-se nas duas irmãs. Os pais dormiam e o irmão mais velho havia saido com amigos.
Os ponteiros do relógio teimavam em girar demasiadamente lentos e a tarde se arrastava.
Foi quando uma delas lembrou-se da frase: Conheça Rio Claro, a cidade que se expande dia a dia.
De imediato surgiu a ideia de passearmos de ônibus pelas ruas mais distantes de casa e por caminhos desconhecidos e não rotineiros.
Sugestão dada e aceita imediatamente.
Com dinheiro para duas passagens dirigimo-nos até o ponto de õnibus onde havia linhas para vários bairros mais distantes. Optamos por um que atendia bairros que não conhecíamos, afinal o objetivo era visitar a cidade.
Acompanhamos curiosas o trajeto feito e que ficava justamente do lado oposto aos caminhos que costumávamos fazer para passeios, para irmos à escola, à igreja, casas de amigos, etc.
De repente a aventura foi interrompida.
O motorista parou o ônibus e avisou que ali era o ponto final. Todos teríamos que descer. Quem pretendesse continuar no transporte precisaria pagar nova passagem.
Não tivemos outra opção a não ser sairmos do ônibus. Estávamos sem dinheiro para pagarmos a volta e o pior, nem sabíamos onde realmente estávamos.
Resolvemos voltar a pé, única solução viável no momento.
Surgiu aí o primeiro fator complicador. Minha orientação espacial sempre foi avariada, para não dizer quase nula, e portanto, não sabia nem para qual lado ficava o centro da cidade.
Depois de perguntarmos a alguém e pensarmos um pouco, decidimos o caminho a seguir.
Logo após percorridas as primeiras quadras de regresso, eis que o tempo mudou de repente e uma chuva, a princípio leve, mas depois mais forte, começou a cair e assim permaneceu por um bom tempo.
Quando finalmente avistamos prédios já conhecidos o ânimo voltou e aceleramos os passos.
Chegamos em casa molhadas dos pés à cabeça e com uma canseira imensa.
Para evitarmos broncas não contamos sobre o desastrado passeio. Nossos pais vieram a saber disso sómente tempos depois.
De certa forma conhecemos mais a cidade do que pretendíamos, pois o percurso a pé nos permitiu ver com calma, ruas e avenidas existentes entre a Vila Martins e o inicio do Jardim Floridiana onde estávamos, e o centro da cidade onde morávamos.
A caminhada sob chuva de mais de 3 km em plena Sexta-Feira Santa nunca foi esquecida e se depender de mim, também jamais será repetida.
Santos, 18 de abril de 2025 / Sexta-Feira Santa.
Que aventura...
ResponderExcluirAdorei amiga Lígia,acompanhar sua aventura 👏👏👏👏
ResponderExcluirGostei do conto dessa caminhada ilustrada ....
ResponderExcluir🫶👏👏👏👏👏👏👏
Obrigada pelos comentários e visitas ao blog.
ResponderExcluirA adolescência nos dá asas e voamos, mas nem sempre nos planejamos bem para o voo!!!
Pelo jeito, conheceram bem a cidade kkk
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