Há poucos dias vi uma publicação em rede social de um grupo intitulado Professores Sonhadores cuja legenda era: O aluno mais injustiçado do Brasil.
Abri o arquivo que estava em forma de reel (vídeo curto) e me surpreendi com o conteúdo.
De imediato reportei-me aos tempos de magistério e às experiências bem semelhantes às apresentadas neste reel, cujas imagens estão na abertura deste texto.
Há duas questões básicas envolvidas no processo avaliatório: o objetivo - o que avaliar e a maneira - como avaliar.
Há anos já comentei sobre a dificuldade que muitos professores têm no momento de formularem as perguntas nas avaliações. Muitas vezes uma pergunta mal elaborada deixa dúvidas sobre o que realmente se deseja saber.
No fato citado no reel está óbvio que a criança concluiu assertivamente cada questão apresentada.
O que deve ter levado o professor a considerá-las erradas foi com certeza ver que as respostas não traziam exatamente as mesmas palavras que ele esperava ler. A interpretação tanto quanto o raciocínio do aluno foram totalmente desconsiderados.
Até o famoso Calvin, personagem do desenho em quadrinhos criado por Bill Watterson, aproveitou a oportunidade que lhe foi oferecida ao se deparar com a questão formulada por sua professora:
- O que você sabe sobre os presidentes dos Estados Unidos?
A resposta bem objetiva do garoto foi:
- Não sei nada.
Ele foi absolutamente sincero e correto em sua resposta.
Outros exemplos similares pude acompanhar na profissão como foi o caso em que a professora das séries iniciais do Ensino Fundamental, após ensinar sinônimos e antônimos, pediu na prova:
- Dê o contrário de: bonito, frio, claro e alto.
A criança respondeu prontamente: otinob, oirf, oralc e otla.
A professora não teve outra opção a não ser considerar certa pois o modo como formulara a questão havia dado abertura para este tipo de resposta. Posteriormente explicou melhor a pergunta para a classe toda.
Atuei como intermediadora em um caso hilário e bizarro durante um desentendimento entre pai de aluno e professor. Era prova de Ciências e após estudos sobre Higiene e Saúde, apareceu na avaliação a seguinte pergunta:
- Qual a primeira coisa que você deve fazer após usar o vaso sanitário?
O professor esperava como única resposta possível: Lavar as mãos.
Aconteceu porém que era uma 7ª série com alunos em plena adolescência. E não é que um dos garotos respondeu que chacoalhava seu pênis?
O professor ficou tremendamente irritado e considerou a resposta muito desrespeitosa. Além de colocar um grande X vermelho sobre ela, humilhou e criticou severamente o aluno diante da classe toda que acabou caindo na gargalhada ao saber a resposta dada.
Pela idade do aluno e seu histórico brincalhão com certeza a resposta foi proposital, mas independente disso, a maneira como foi feita a questão abriu a possibilidade desta afirmação.
Em casa o rapaz mostrou a prova ao pai e contou sobre a humilhação. Ato contínuo este pai foi pedir explicações ao professor, reforçando que a resposta estava certa.
Foi complicado chegar-se a um consenso e tive muita dificuldade em segurar o riso ao me ver naquela insólita situação, onde pai e professor discutiam o que era prioritário: chacoalhar o órgão ou lavar as mãos. O professor acabou por admitir, não sem muito reclamar, que falhou na formulação da frase.
A importância sobre o que avaliar deve ter a mesma intensidade e o mesmo cuidado em relação ao como avaliar.
O objetivo da prova é um elemento que não pode ser relegado a segundo plano.São relativamente comuns mesmo em concursos públicos questões que nada têm a ver com o real propósito da avaliação.
Nunca me esqueço de um fato ocorrido há anos ainda no início de minha carreira, quando um diretor de escola resolveu ele próprio elaborar uma prova para selecionar dentre vários candidatos, qual seria o mais apto para ocupar a função de servente, atual auxiliar de serviços gerais.
Fez as questões sozinho e aplicou a avaliação. Ao fazer a correção ficou muito chocado (palavra dele) ao verificar que nenhum candidato acertou uma pergunta em especial.
Entrou na sala dos professores indignado e nos contou o fato. Todos ali presentes ficaram curiosos. Ele então esclareceu que ninguém soube responder quantos quilômetros tinha a ponte Rio-Niterói.
A expressão de espanto de todos inclusive a minha, seguida dos olhares disfarçados, foi imediata.
Nenhum de nós sabia a resposta. Tal ponte havia sido inaugurada há mais de dois anos.
O rosto da professora de Geografia que estava em pé ao lado do diretor, perdeu a cor no ato. Ficamos todos em silêncio.
Assim que ele se retirou da sala a risada foi geral, seguida pela busca imediata da resposta, afinal ele poderia voltar e nos questionar.
Qual a importância de saber a quilometragem de tal ponte para exercer a função de servente escolar numa pequena cidade do interior paulista? Serviria apenas e tão somente para uma análise insignificante da cultura geral de cada um. Com certeza nenhum candidato havia passado por ela e creio que nem tinham a menor intenção de fazê-lo.
Portanto devemos ter sempre em mente o que é realmente significativo avaliar, bem como, o modo de proceder a este questionamento de tal forma que não deixe dúvidas a quem for submetido a ele.
Santos, 03 de março de 2025. (segunda-feira de carnaval).
Nota: A quem possa interessar: a ponte Rio-Niterói tem 13,29 km de extensão e foi inaugurada em 1974. Seu vão central tem 300 m de comprimento e 72 m de altura.
Por isso que provas escritas nunca devem ser instrumento único de avaliação. Por melhor que sejam elaboradas nunca espelham a real capacidade e grau de aprendizado do aluno.
ResponderExcluirLigia4 de março de 2025 às 16:09
ExcluirConcordo plenamente!
Pena que saiu anônimo.
Obrigada pela visita!
Adorei o texto. Avaliar é muito mais que corrigir prova e olhar caderno (muito usado ainda). Ja ia procurar a medida da ponte kkkkkk, até que cheguei ao final do texto. Agora, a "CABESSUDA" me fez rir muito kkkkkk
ResponderExcluirPois é, o aluno achou a cabeça grande demais e saiu a cabessuda até com dois esses...kkkk
ExcluirConcordo plenamente!
ResponderExcluirPena que saiu anônimo.
Obrigada pela visita!
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ResponderExcluirÓtimo texto. Ri muito, contudo, foi de grande valia, pra mim, saber a kilometragem da ponte Rio-Niteroi... beijão
ResponderExcluirKkkk.
ExcluirViu só, que importante foi saber isso!!!..kkk
Obrigada pela visita e pelo comentário!!!!
Texto muito interessante e pertinente, pois muitas perguntas podem abrir espaço a várias respostas! Sábio o professor que tem uma visão atenta a este fato! Parabéns Lígia, sou sua fã❤️
ResponderExcluirObrigada Rosana por suas palavras e pela visita ao blog!
ExcluirUm abração!