A infância vivida há algumas décadas,
pouco ou nada tem em comum com o dia-a-dia das crianças desse século XXI.
Sem entrar no mérito a respeito
das diferentes realidades, quer sejam sob os aspectos de segurança, familiares ou educacionais,
a meninada que brincava nos meados do século passado, desfrutava de espaços
para se divertir nas grandes casas, nas ruas e nas praças, livres de maiores
receios mesmo sem a presença de adultos.
Em contrapartida recebiam uma
rigorosa educação. Acatavam com respeito (muitas vezes com receio) as ordens
que lhes eram impostas e pouco ou nada questionavam sobre elas.
As obrigações também existiam
desde pequenos e embora contribuíssem para o desenvolvimento da
responsabilidade, muitas vezes tinham certa dose de exagero.
Dentre esses exageros vivenciados, um em
especial sempre resultava em repreensão logo nas primeiras horas dos domingos. O dia mal havia clareado (às vezes ainda
estava escuro) e alguém lá em casa já levava uma bronca.
Tínhamos, eu e meu irmão, então com
idades de 7 e 8 anos aproximadamente, que acompanharmos nosso pai à missa da manhã que
era rezada às 6 horas, numa igreja que ficava em torno de 1 km de nossa casa.
Fosse inverno, verão, chuva ou mesmo férias, lá íamos os três a pé para a
cerimônia da santa missa.
Enquanto eu era rápida para
acordar e me arrumar, meu irmão já necessitava de um tempo maior para ficar
definitivamente desperto. Como a
cobrança para ser rápido era insistente, ele até que tentava superar seus
baixos escores a cada domingo, mas sem muito sucesso.
Assim, em todas as manhãs
domingueiras acostumei-me a ir andando rapidamente ao lado de meu pai, olhando
de vez em quando para trás a fim de ver lá longe, meu irmão vindo como um
autômato. Lembro-me bem que em dias de neblina seu vulto chegava a sumir
parcialmente tamanha a distância que ele estava.
Numa certa manhã ele ainda
meio dormindo vestira seu terninho e gravata de missa e sem se olhar no espelho,
pois não havia tempo para isso, saiu na correria pelas ruas conseguindo chegar quando
o padre já estava começando a cerimônia.
Ao olhar o garoto acomodando-se no
banco da igreja, o semblante sempre sério do pai acabou se rompendo ao mesmo
tempo em que não consegui segurar o riso, coisa que em ambiente que exige
silêncio se torna ainda mais difícil.
Meu irmão estava impecavelmente
vestido a não ser por um detalhe: ele havia colocado a gravata de tons escuros,
literalmente no pescoço, isto é, acima do colarinho da camisa. Lembrava Tiradentes com sua corda no pescoço -
um perfeito candidato a enforcamento.
Se normalmente era difícil para nós crianças, nos concentrarmos na missa àquela hora da manhã e ainda rezada em latim, naquele domingo ela foi totalmente perdida pois tivemos ataques de riso o tempo todo.
Era mesmo um exagero essa obrigação de irmos à missa às 6 horas, obrigação essa que perdurou por alguns anos.
Nesses tempos também, os meninos
usavam as chamadas calças curtas e somente no início da adolescência, lá pelos
seus 11 a 12 anos, é que tinham o direito às suas primeiras calças compridas,
fato que era motivo de muito orgulho para eles.
Animado com a ideia, meu irmão
atendendo às orientações, começou a tirar suas medidas. Ocupada com seus afazeres minha mãe ia
explicando o que anotar e ele, fazendo uso da fita métrica, marcava os números. Até
que lhe foi pedido medida da altura da calça.
Rapidamente encostou-se no armário,
pegou um lápis e apoiando uma régua sobre o topo de sua cabeça, pediu que fosse
verificado se a tal régua estava bem reta. Queria marcar sua altura no armário
com perfeita exatidão para poder medi-la, afinal seria sua primeira calça comprida e não poderia ficar curta ou comprida demais.
Em meio à risada geral, a mãe
questionou qual modelo de calça ele pretendia: uma comum que chegasse até sua
cintura ou uma que lhe cobrisse até a cabeça feito um saco de batatas?
Finalmente as medidas corretas
foram anotadas e a primeira calça comprida passou a fazer parte de seu
guarda-roupa.
São lembranças resgatadas
recentemente junto à tantas outras depois de assistir ao filme “A Guerra dos
Botões”. Ele reproduziu em minha memória
outras guerrinhas como da Turma da Rua 2 contra a Turma da Rua 3, mas essa é
uma história que ficará para uma outra vez.
Reminiscências perdidas no tempo.
Santos, 10 de agosto de 2012
Imaginando a cena .....
ResponderExcluirImagine o olhar de meu pai nos fuzilando a cada risada que escapava durante a missa toda....rssss
ResponderExcluir