sábado, 15 de março de 2014

UM DIA NA REITORIA



Remexendo em uma caixa com papéis antigos, encontrei uma amarelada folha de papel sulfite dobrada em 4.
Curiosa, desdobrei-a e de imediato reconheci minha letra.
O papel originalmente foi usado para datilografar um recibo expedido nos tempos da pós-graduação. Meu texto foi escrito justamente nos espaços em branco deste documento e de maneira bem improvisada.
Há alguns anos uma amiga encontrou este documento datado de 1977 e resolveu  entregá-lo em um de nossos encontros em Rio Claro.
 Nesta ocasião ao iniciar a leitura, veio-me a lembrança de um dia extremamente cansativo, além de totalmente perdido dentro da reitoria da UFSCAR.
Na época nosso orientador do curso respondia pela reitoria da Universidade e se antes já era muito difícil falar com ele sobre as pesquisas, durante este período como reitor, ficou praticamente impossível.
Muitas idas e vindas perdidas de Rio Claro para São Paulo ou para São Carlos, carregando pastas, papéis, cálculos estatísticos e tudo o mais que fosse necessário para análise do andamento das pesquisas.
Nesse dia em especial, realizamos um exercício extremo de paciência que talvez nem monges tibetanos tivessem. 
Tínhamos agendado com antecedência uma reunião com ele logo às 8h daquele dia e para lá partimos bem cedinho, viajando de ônibus para São Carlos.
Este encontro tinha urgência, pois havia relatórios a serem lidos e discutidos para posteriormente serem encaminhados para USP com prazos muito curtos.
Ficamos de plantão na antessala de seu gabinete e de lá não saímos nem para almoçar com receio de nos desencontrarmos dele.
Para passar o tempo e disfarçar o cansaço e aborrecimento, para não falar raiva mesmo pelo desrespeito, comecei a escrever o texto que reproduzo abaixo, mais como um desabafo.
Um dia na reitoria
Abre porta, fecha porta.
Abre porta, fecha porta.
Porta bate, abre porta.
Fecha porta!
Às vezes o movimento fica congestionado e se forma uma pequena fila para passar nesta bendita porta.
Alheias a todas estas agitações, estão duas jovens com os traseiros mais do que amassados e amortecidos, pois estão sentadas há horas, esperando pelo magnífico.
As mesmas pessoas que vieram até aqui no período da manhã, retornam agora e uma coisa esquisita acontece: olham muito para nós; por que será, não?  Elas entram e logo em seguida saem novamente.
E nós duas aqui.....sentadinhas....sentadinhas!
Já esquecemos várias vezes o que viemos fazer aqui.
Abre porta, fecha porta e nada do magnífico chegar para nos atender.
Viemos com frio, passamos calor e já estamos com frio novamente, além de muita fome.
Espero que o ônibus da volta esteja lotado para eu poder viajar em pé, por um motivo mais do que justo: fechou o canal do reto.
Quem aqui estava já foi embora, quem chegou depois já se foi também.
Daqui a pouco só estaremos nós duas e mais ninguém.
Abre porta, fecha porta!
E o magnífico????  Sabe-se lá que fim levou.
Já dissemos bom dia a todos; também já dissemos boa tarde e para finalizar o dia, estamos nos despedindo e dizendo boa noite.
Fim da crônica, mas não final da história, pois são mais de 17h e o magnífico ainda não chegou!
São Carlos, 03 de maio de 1977.


Assim foi mais um dia perdido, dentre tantos que tivemos à espera do magnífico, pois o dia terminou e não conseguimos falar com ele.
Passamos poucas e boas nesta época e tudo em nome das pequenas drosófilas. Mesmo assim, sinto saudades!

Santos, 15 de março de 2014. 


Para Vera, amiga de longa data e que compartilhou momentos bons e ruins nesta época tão complicada da pós-graduação.

Um comentário:

  1. Amei, poder ler esse texto de desabafo, de um momento difícil, mas que por incrível que pareça você hoje sente saudades. Maravilhoso poder partilhar disso, e o mais legal é saber que mesmo as esperas valeram a pena! Beijosss enormes....maiores que o seu tempo de espera! ;-)

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