segunda-feira, 11 de novembro de 2013

O PADRE E O ATOLEIRO



A chuva persistente nesta primavera cai mansa e suave, sem causar estragos.
Lembro-me de um tempo em que a menor ameaça de chuva, até mesmo uma simples garoa, já causava apreensão a um grupo de professores.
A escola onde trabalhavam ficava no município vizinho, distante 20 km. Embora o percurso não fosse tão longo, a estrada de pista única, era de terra batida, sem acostamento e mal conservada. Para complicar um pouco mais, havia muitas curvas e tráfego de caminhões.
Nos tempos de seca, a poeira era intensa e dificultava a visão. Entretanto, quando as chuvas chegavam, o pó era substituído por lama e aí sim, as complicações aumentavam.
Não era raro o carro de algum professor ficar atolado na estrada à espera de um trator ou outro veículo que lhe desse ajuda.  Quando isso ocorria no período noturno, a situação ficava ainda mais difícil.
Num início de ano com as constantes e fortes chuvas de verão, certo fusquinha verde pertencente ao professor de Português, acabou tendo suas duas rodas traseiras totalmente presas pela lama, bem no meio do caminho. 
Como já estavam acostumadas a isso, as professoras que estavam no carro, arregaçaram as calças, desceram e literalmente patinando no barro, providenciaram galhos e pedras que auxiliassem as rodas a saírem do buraco. 
O leito da estrada estava muito encharcado, pois a chuva já vinha ocorrendo há dias. Era pura lama. A cada tentativa, nova frustração, agravando-se mais ainda a situação. 
Não havia a quem recorrer, pois já passava das 23h e a estrada estava deserta.
É bom lembrar que o telefone celular ainda não existia.
Foi quando o professor de Português que acumulava a função com o sacerdócio, vendo que não havia jeito de livrar seu carro do atoleiro, decidiu pedir ajuda a algum morador da região.
O fusquinha estava parado relativamente próximo à porteira de entrada de um sítio. Via-se a luz muito fraquinha vinda de uma casa, bem distante da porteira.
Sabendo que se chamasse ali da estrada não seria ouvido, o padre resolveu ir até a casa e para isso, teve que pular a porteira que estava trancada. Teve muita dificuldade neste ato já que não era mais jovem e seu sobrepeso era evidente.
Mal havia dado uns 10 passos já dentro da propriedade, quando fortes latidos ecoaram na escuridão.  Com certeza, pela intensidade do som, não se tratavam de poodles, cachorro salsicha ou qualquer outro cachorrinho.
As professoras que haviam ficado no carro, apavoradas, gritaram alertando o padre.  Naquele instante ele já havia literalmente virado nos calcanhares e corria a toda velocidade, de volta à porteira.
Para espanto das mulheres, com um malabarismo inesperado, ele deu um único salto e num piscar de olhos já estava do outro lado da porteira, a salvo na estrada. A dificuldade que demonstrara na ida, desapareceu como que por encanto na volta, tamanha a agilidade nos movimentos.
O barulho todo chamou a atenção do dono do sítio, que a despeito da desconfiança inicial, acabou entendendo a situação ao ver o carro com as professoras na estrada e reconhecendo o padre professor, ainda muito ofegante e sem fala.
Com ajuda de um trator, o fusquinha verde foi retirado do buraco onde se metera e o grupo pode seguir seu caminho.
Toda esta odisseia provocou grande atraso na viagem e já era madrugada quando finalmente chegaram ao destino.
A demora havia alarmado os familiares que se reuniram num posto de gasolina situado logo na entrada da cidade. Estavam prestes a entrarem na estrada quando o fusquinha tomado pelo barro fez sua chegada triunfal.
O difícil foi acreditarem que o padre professor, já próximo da aposentadoria e com bons quilos a mais, ao fugir dos cachorros, havia conseguido pular a porteira com um único salto, num desempenho só observado em atletas profissionais.
Aliás, nem ele mesmo acreditou que tivera seu momento de João do Pulo.
                                                                                     

Santos, 11 de novembro de 2013 



Para as companheiras desta e de outras tantas aventuras na estrada velha de Ipeúna, e em especial, ao inesquecível professor Padre Quirino Volani.

2 comentários:

  1. Muito legal Liginha, voce e otima ao escrever parece que vemos num filme. Beijinhos.Parabens.

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  2. Obrigada pelas risadas, nunca ri tanto sozinha! Conheço bem a estrada de Ipeúna, já passei perrengues por lá. bjs.

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