segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

MICO ABENÇOADO

O planejamento para a viagem no final do ano começara há um bom tempo.
Documentos, roupas, malas, cartões pré-pagos e uma boa dose de ousadia já que o domínio das línguas estrangeiras não era lá essas coisas.
Claro que no final sempre acaba dando certo, mas às vezes, até chegar-se a esse ponto, alguns tropeços e muitas risadas sempre acontecem.
Já na primeira conexão em terras portuguesas houve o primeiro apuro.
O tempo entre o desembarque e embarque na nova aeronave era razoável mas sem grandes folgas. Seguindo as indicações constantes nas placas que encontravam pela frente, o grupo foi se deslocando por um corredor imenso, interminável e ficando cada vez mais desconfiado que algo estivesse errado.
Dito e feito!
No final do corredor, após terem arrastado malas seguramente por quase um quilômetro, perceberam que o portão de embarque que procuravam havia ficado para trás.  Mas onde estava a placa com o tal número do portão já que ninguém a vira?
Surpresa! 
Ao retornarem pelo mesmo caminho, novamente arrastando malas e carregando mochilas e casacos (a essas alturas já havia até dado calor), viram que num certo momento o corredor tinha uma bifurcação e a indicação do portão desejado estava lá, já na curva do corredor, ou seja, colocada fora do campo de visão de quem havia desembarcado e iria fazer conexão.  Quem sabe se tivessem olhos nas costas, não teriam passado reto por ela e nem fariam o primeiro “Cooper” da viagem?
Chegando ao destino final o que se previa que pudesse causar transtornos ocorreu na maior normalidade. Provavelmente o serviço de imigração olhando para aquela turma concluiu que não tinham a menor pretensão de se estabelecerem em terras inglesas, mesmo tendo percebido que boa parte do grupo conseguia falar fluentemente the book is on the table.
O roteiro programado foi sendo cumprido trazendo belos e inesquecíveis momentos. Museus, prédios de arquitetura gótica, obras de arte, palácios famosos, castelos, igrejas antiquíssimas, cidades medievais e séculos de História acumulados em cada lugar visitado do velho continente. Tudo muito surpreendente.
Paralelamente a toda essa maravilha há que se ressaltar um detalhe.
Durante os deslocamentos de uma cidade à outra um barulho começou a perturbar (isto para não dizer traumatizar) o grupo todo.  Era o ruído provocado pelas rodinhas das malas deslizando pelo calçamento nos trajetos até as ferroviárias.  Levando-se em conta que em vários locais havia uma escadaria a ser verdadeiramente escalada e que o peso das malas aumentara ao longo dos dias, o tal ruído das rodinhas chegava a causar arrepios.  Creio que o faça até hoje.
Como soi acontecer, momentos de reflexão, de lazer e de pura cultura por vezes eram interrompidos por alguma trapalhada. Restaurantes foram palcos de vários micos, assim como o metrô de Viena onde por conta de um casaco caído nos trilhos os trens foram paralisados, luzes vermelhas começaram a piscar enquanto alarmes disparavam diante de preocupados olhares austríacos querendo saber o que se passava. Somente os quatro turistas parados na plataforma faziam a maior cara de paisagem.
Para finalizar, até uma catedral gótica construída no século XII e que sobreviveu a muitas guerras, não passou incólume diante da visita do grupo e acabou servindo de palco para o que podemos chamar de um mico abençoado.  
Ao entrar em seu interior, em sinal de respeito, ele tirou o gorro de couro e pele que trazia na cabeça. Por alguns instantes o segurou nas mãos, mas diante da beleza do lugar resolveu fazer algumas fotos.  Olhou para os lados e viu o que para ele seria uma mesa de pedra, local ideal para apoiar o tal gorro e assim manter as mãos livres para dar seus cliques profissionais. Mal havia focado o teto do templo quando notou com o canto do olho, que seu gorro deslizava altaneiro sobre a mesa. 
Olhou intrigado e somente nesse momento notou que na verdade o que ele julgara ser uma mesa era um tipo de bacia cheia de água benta sobre a qual o gorro peludo, triunfante, navegava tal qual um perfeito navio viking partindo para mais uma conquista.
Rapidamente recolheu seu pertence dando-lhe umas batidas para escoar a água, não sem antes dar aquela clássica e constrangida olhada para os lados para ver quantos haviam notado o mico e riam de sua situação.
Saiu da igreja feliz.
Agora trazia na cabeça um chapéu que além de aquecê-lo, estava abençoado.

Santos, 22 de janeiro de 2012   

11 comentários:

  1. kkkkkkkkkkkk Boa, Lígia! Nós, que participamos do evento, podemos dizer que você foi extremamente fiel ao ocorrido. Foi tão engraçado lá como agora relendo seu conto... rsrsrs

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  2. Muito bom Liginha! Voce descreve tao bem que parece que vemos um filme em nossa frente e neste eu ri muito.

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  3. Obrigada pelos comentários Selma e Malu.

    Lembrando dos fatos dou muita risada enquanto vou escrevendo os "causos"!

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  4. Ligia eu ri muito agora, fiquei imaginando a cena...do gorro deslizando em àgua benta...kkkk. Conta mais coisas quero saber de tudo sobre essa experiência inesquecivel.
    E com essa sua forma leve e perfeita de descrever coisas fica muito mais prazeroso.
    Beijos enormes.

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  5. Liginha só voce mesmo. Voce é especial em todos os momentos. Bjss
    Maria Ines

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  6. Obrigada Débora e Maria Inês. É bom saber que estas histórias que nos fizeram rir muito, também alegrem quem as lê. Fico muito feliz com isso!!
    Bjs

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  7. Ligia, parece que a vejo nessa cena do gorro. Eu e João rimos bastante. Beijos saudosos.

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  8. Pois é mas dessa vez fui uma inocente espectadora e não a protagonista como geralmente acontece...rss

    Bjsss

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  9. Muito bom Ligia, voce consegue descrever as situações com tanta graça e leveza que ler seus contos é um grande prazer e geralmente uma grande alegria. Adoro seu jeito de contar os micos.

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  10. Obrigada Diva.
    Realmente a cena foi muito cômica e ver a expressão dele (meu irmão) ao se dar conta do que havia feito, foi impagável.

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  11. Parabéns, Ligia, seus "causos" são sempre especiais, lindamente escritos e com um toque de bom humor que é vc escrita. Que venham muitos!

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