domingo, 9 de março de 2025

CONVERSA DE ELEVADOR



            De uns tempos para cá e com frequência maior do que eu desejaria, fico lembrando de um quadro do programa A Praça da Alegria, atualmente chamada A Praça é Nossa, onde a personagem principal era uma senhora idosa e muito surda de nome Bizantina Scatamacchia Pinto.

            A conversa que ela mantinha com Apolônio sempre sentado no banco lendo seu jornal era toda confusa, com muitas trocas de palavras. Devido à surdez ela entendia as falas do amigo completamente trocadas, resultando sempre em frases muito engraçadas.

            Roni Rios interpretava a velha surda e Apolônio era vivido por Viana Junior, que ficava extremamente irritado com as confusões de Bizantina. A cena final mostrava uma interação dela com Manuel da Nóbrega e posteriormente com seu filho Carlos Alberto da Nóbrega. 

            O quadro deixou de ser apresentado após os falecimentos dos dois protagonistas, pois ficou tão marcante que dificilmente outros atores os representariam tão bem.

            E não é que de uns tempos para cá Bizantina frequentemente tem incorporado em mim ou em pessoas próximas causando muita confusão?

            Houve um episódio no qual me senti a própria velha surda.

            Fui agendar consulta médica e ao ser atendida respondi várias questões sobre os dados pessoais para efeito de cadastro. Foi durante a epidemia de Covid e a jovem que me atendia usava uma máscara. Entre nós havia ainda uma placa de plástico transparente.

            Após algumas perguntas eu a ouço indagar:

            - Usa lente de contato?

            Como o exame que eu solicitava na ocasião nada tinha a ver com a visão, antes de responder eu a questionei:

            - Por que você precisa saber se uso lente de contato?

            Ela mal segurando o riso respondeu-me em alto e bom som, quase soletrando:

            - Senhora, eu pedi um telefone de contato!

            Fui a primeira a gargalhar seguida por todos à minha volta que escutaram a conversa.

            Em outra ocasião durante um bate-papo em família falando sobre a atriz Sophia Loren, lembrei-me de seu último filme Rosa e Momo, onde ela aos 86 anos se destacava ainda pela beleza.

            Ato contínuo pronunciei:

            - Ela está inteirona!

            No mesmo instante veio a interrogação de meu irmão:

            - Ela vive em Verona?

            Não precisei responder mesmo porque a risada de todos já demonstrou que a pergunta feita estava totalmente fora do contexto.

            Mais recentemente numa troca de conversas no elevador a Bizantina entrou em ação.

            O equipamento era espaçoso e cabiam até vinte pessoas. 

            Fui uma das últimas a entrar e não tive acesso ao painel dos botões pois uma pessoa bloqueava o caminho. Eu iria ao 5º andar e com o elevador já fechando as portas perguntei rapidamente:

            - O cinco está apertado?

            Imediatamente um idoso que estava atrás de todos dirigiu-se a mim com uma expressão de espanto:

            - Tem que por o cinto?

            Logo na sequência a mulher ao lado dele já questionou querendo saber onde estava o cinto para ela colocar.

            Ainda sem entender a confusão que estava havendo respondi que nunca vira elevador ter cinto de segurança.

            Nesse momento o senhorzinho olhando muito sério para mim e com ares de que estava irritado, deu-me uma bronca:

            - Como nunca viu, se foi a senhora mesma quem falou para por o cinto??

            Tem dias que meu riso é mais frouxo que o normal, mas naquele momento tive que fazer um esforço e me concentrar para não rir pois ele me olhava bem zangado.

            Fui salva pelos demais que ao notarem a troca de cinco por cinto começaram a rir descontraindo o ambiente.

            Para meu azar tal idoso também desceu no 5º andar, dirigiu-se para a mesma sala e ficou sentado próximo a mim. 

            Resultado: o tempo todo tive que olhar para o outro lado e segurar a risada, mas as lágrimas escorriam no rosto. 

            A Bizantina Escatamacchia Pinto saiu do banco da praça, mas vira e mexe ela ressurge em nossas lembranças cantando sua música preferida:

- Ó querida, ó querida, ó queriiiiiiiiida Clementina!!!!


Santos, 09 de março de 2025.





segunda-feira, 3 de março de 2025

AVALIAÇÃO E SEUS DESACERTOS

 


                   
                                          Imagens: Facebook - Grupo Professores Sonhadores


            Há poucos dias vi  uma publicação em rede social de um grupo intitulado Professores Sonhadores cuja legenda era: O aluno mais injustiçado do Brasil.

            Abri o arquivo que estava em forma de reel (vídeo curto) e me surpreendi com o conteúdo. 

          De imediato reportei-me aos tempos de magistério e às experiências bem semelhantes às apresentadas neste reel, cujas imagens estão na abertura deste texto.

            Há duas questões básicas envolvidas no processo avaliatório: o objetivo - o que avaliar e a maneira - como avaliar.

            Há anos já comentei sobre a dificuldade que muitos professores têm no momento de formularem as perguntas nas avaliações. Muitas vezes uma pergunta mal elaborada deixa dúvidas sobre o que realmente se deseja saber.

            No fato citado no reel está óbvio que a criança concluiu assertivamente cada questão apresentada.

            O que deve ter levado o professor a considerá-las erradas foi com certeza ver que as respostas não traziam exatamente as mesmas palavras que ele esperava ler. A interpretação tanto quanto o raciocínio do aluno foram totalmente desconsiderados.

            Até o famoso Calvin, personagem do desenho em quadrinhos criado por Bill Watterson, aproveitou a oportunidade que lhe foi oferecida ao se deparar com a questão formulada por sua professora:

             - O que você sabe sobre os presidentes dos Estados Unidos?

            A resposta bem objetiva do garoto foi:

            - Não sei nada.

            Ele foi absolutamente sincero e correto em sua resposta.

            Outros exemplos similares pude acompanhar na profissão como foi o  caso em que a professora das séries iniciais do Ensino Fundamental, após ensinar sinônimos e antônimos, pediu na prova:

            - Dê o contrário de: bonito, frio, claro e alto.

            A criança respondeu prontamente: otinob, oirf, oralc e otla.

            A professora não teve outra opção a não ser considerar certa pois o modo como formulara a questão havia dado abertura para este tipo de resposta. Posteriormente explicou melhor a pergunta para a classe toda.

            Atuei como intermediadora em um caso hilário e bizarro durante um desentendimento entre pai de aluno e professor.  Era prova de Ciências e após estudos sobre Higiene e Saúde, apareceu na avaliação a seguinte pergunta:

            - Qual a primeira coisa que você deve fazer após usar o vaso sanitário?

            O professor esperava como única resposta possível: Lavar as mãos.

            Aconteceu porém que era uma 7ª série com alunos em plena adolescência. E não é que um dos garotos respondeu que chacoalhava seu pênis?

          O professor ficou tremendamente irritado e considerou a resposta muito desrespeitosa. Além de colocar um grande X vermelho sobre ela,  humilhou e criticou severamente o aluno diante da classe toda que acabou caindo na gargalhada ao saber a resposta dada.

            Pela idade do aluno e seu histórico brincalhão com certeza a resposta foi proposital, mas independente disso, a maneira como foi feita a questão abriu a possibilidade desta afirmação.

              Em casa o rapaz mostrou a prova ao pai e contou sobre a humilhação. Ato contínuo  este pai foi pedir explicações ao professor, reforçando que a resposta estava certa.

            Foi complicado chegar-se a um consenso e tive muita dificuldade em segurar o riso ao me ver naquela insólita situação, onde pai e professor discutiam o que era prioritário: chacoalhar o órgão ou lavar as mãos. O professor acabou por admitir, não sem muito reclamar, que falhou na formulação da frase.  

            A importância sobre o que avaliar deve ter a mesma intensidade e o mesmo cuidado em relação ao como avaliar.

            O objetivo da  prova é um elemento que não pode ser relegado a segundo plano.São relativamente comuns mesmo em concursos públicos questões que nada têm a ver com o real propósito da avaliação. 

            Nunca me esqueço de um fato ocorrido há anos ainda no início de minha carreira, quando um diretor de escola resolveu ele próprio elaborar uma prova para selecionar dentre vários candidatos, qual seria o mais apto para ocupar a função de servente, atual auxiliar de serviços gerais.

            Fez as questões sozinho e aplicou a avaliação. Ao fazer a correção ficou muito chocado (palavra dele) ao verificar que nenhum candidato acertou uma pergunta em especial.

            Entrou na sala dos professores indignado e nos contou o fato. Todos ali presentes ficaram curiosos. Ele então esclareceu que ninguém soube responder quantos quilômetros tinha a ponte Rio-Niterói. 

            A expressão de espanto de todos inclusive a minha, seguida dos olhares disfarçados, foi imediata.

          Nenhum de nós sabia a resposta. Tal ponte havia sido inaugurada há mais de dois anos.

            O rosto da professora de Geografia que estava em pé ao lado do diretor, perdeu a cor no ato. Ficamos todos em silêncio.

         Assim que ele se retirou da sala a risada foi geral, seguida pela busca imediata da resposta, afinal ele poderia voltar e nos questionar.

            Qual a importância de saber a quilometragem de tal ponte para exercer a função de servente escolar numa pequena cidade do interior paulista? Serviria apenas e tão somente para uma análise insignificante da cultura geral de cada um. Com certeza nenhum candidato havia passado por ela e creio que nem tinham a menor intenção de fazê-lo.

             Portanto devemos ter sempre em mente o que é realmente significativo avaliar, bem como, o modo de proceder a este questionamento de tal forma que não deixe dúvidas a quem for submetido a ele.


Santos, 03 de março de 2025. (segunda-feira de carnaval).

Nota: A quem possa interessar: a ponte Rio-Niterói tem 13,29 km de extensão e foi inaugurada em 1974. Seu vão central tem 300 m de comprimento e 72 m de altura.