De uns tempos para cá e com frequência maior do que eu desejaria, fico lembrando de um quadro do programa A Praça da Alegria, atualmente chamada A Praça é Nossa, onde a personagem principal era uma senhora idosa e muito surda de nome Bizantina Scatamacchia Pinto.
A conversa que ela mantinha com Apolônio sempre sentado no banco lendo seu jornal era toda confusa, com muitas trocas de palavras. Devido à surdez ela entendia as falas do amigo completamente trocadas, resultando sempre em frases muito engraçadas.
Roni Rios interpretava a velha surda e Apolônio era vivido por Viana Junior, que ficava extremamente irritado com as confusões de Bizantina. A cena final mostrava uma interação dela com Manuel da Nóbrega e posteriormente com seu filho Carlos Alberto da Nóbrega.
O quadro deixou de ser apresentado após os falecimentos dos dois protagonistas, pois ficou tão marcante que dificilmente outros atores os representariam tão bem.
E não é que de uns tempos para cá Bizantina frequentemente tem incorporado em mim ou em pessoas próximas causando muita confusão?
Houve um episódio no qual me senti a própria velha surda.
Fui agendar consulta médica e ao ser atendida respondi várias questões sobre os dados pessoais para efeito de cadastro. Foi durante a epidemia de Covid e a jovem que me atendia usava uma máscara. Entre nós havia ainda uma placa de plástico transparente.
Após algumas perguntas eu a ouço indagar:
- Usa lente de contato?
Como o exame que eu solicitava na ocasião nada tinha a ver com a visão, antes de responder eu a questionei:
- Por que você precisa saber se uso lente de contato?
Ela mal segurando o riso respondeu-me em alto e bom som, quase soletrando:
- Senhora, eu pedi um telefone de contato!
Fui a primeira a gargalhar seguida por todos à minha volta que escutaram a conversa.
Em outra ocasião durante um bate-papo em família falando sobre a atriz Sophia Loren, lembrei-me de seu último filme Rosa e Momo, onde ela aos 86 anos se destacava ainda pela beleza.
Ato contínuo pronunciei:
- Ela está inteirona!
No mesmo instante veio a interrogação de meu irmão:
- Ela vive em Verona?
Não precisei responder mesmo porque a risada de todos já demonstrou que a pergunta feita estava totalmente fora do contexto.
Mais recentemente numa troca de conversas no elevador a Bizantina entrou em ação.
O equipamento era espaçoso e cabiam até vinte pessoas.
Fui uma das últimas a entrar e não tive acesso ao painel dos botões pois uma pessoa bloqueava o caminho. Eu iria ao 5º andar e com o elevador já fechando as portas perguntei rapidamente:
- O cinco está apertado?
Imediatamente um idoso que estava atrás de todos dirigiu-se a mim com uma expressão de espanto:
- Tem que por o cinto?
Logo na sequência a mulher ao lado dele já questionou querendo saber onde estava o cinto para ela colocar.
Ainda sem entender a confusão que estava havendo respondi que nunca vira elevador ter cinto de segurança.
Nesse momento o senhorzinho olhando muito sério para mim e com ares de que estava irritado, deu-me uma bronca:
- Como nunca viu, se foi a senhora mesma quem falou para por o cinto??
Tem dias que meu riso é mais frouxo que o normal, mas naquele momento tive que fazer um esforço e me concentrar para não rir pois ele me olhava bem zangado.
Fui salva pelos demais que ao notarem a troca de cinco por cinto começaram a rir descontraindo o ambiente.
Para meu azar tal idoso também desceu no 5º andar, dirigiu-se para a mesma sala e ficou sentado próximo a mim.
Resultado: o tempo todo tive que olhar para o outro lado e segurar a risada, mas as lágrimas escorriam no rosto.
A Bizantina Escatamacchia Pinto saiu do banco da praça, mas vira e mexe ela ressurge em nossas lembranças cantando sua música preferida:
- Ó querida, ó querida, ó queriiiiiiiiida Clementina!!!!
Santos, 09 de março de 2025.