sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

CARNAVAIS D'ANTANHO



        

        
        Já não gosto de carnaval com a mesma intensidade que gostei na infância e juventude. Muitos que já viveram seis ou mais décadas também não o apreciam tanto.
        Ouvindo a mídia falar sobre esta festa popular, vendo fantasias expostas nas lojas e escutando músicas carnavalescas, o baú das boas lembranças se abre e um verdadeiro desfile de fatos vêm em minha mente.
        A recordação mais antiga que tenho é uma fantasia de holandesa que usei em um carnaval nos meus 4 ou 5 anos. O chapéu típico não parava em minha cabeça.
        Os pensamentos seguintes já trazem a figura de meu avô paterno, Adolpho.            Ele frequentava o Grupo Ginástico Rio-clarense, clube social da cidade.
        Nas matinês de carnaval levava os netos mais velhos para brincarem no salão que ainda funcionava na esquina da avenida 3 com rua 2.
        Também nos comprava os inesquecíveis tubos dourados de lança-perfumes juntamente com pacotes de confete e os rolinhos de serpentina. 
        Infelizmente o mau uso do lança-perfume por parte dos adultos, acabou provocando seu banimento.
        Avô Adolpho não entrava no salão e de longe ficava observando nossa alegria. Soube anos mais tarde que ele gostava muito dos bailes quando era solteiro, mas depois do casamento nunca mais foi. No carnaval divertia-se vendo a alegria dos netos.
        À noite havia o chamado corso que era o desfile de carros alegóricos e das escolas de samba.  
        Nessas ocasiôes eram meus pais que entravam em cena, nos levando para assistir.
        Minha mãe, caprichosa que era, costurava sacolinha de tule para mim e meu irmão colocarmos confetes e serpentinas e jogarmos durante o corso. E lá íamos nós empolgados e carregando a tal sacolinha cheia.
        O desfile era na região central da cidade e costumávamos ficar na esquina da rua 3 com avenida 1. Isso era bom para nós crianças pois havia neste local uma casa com jardim e uma muretinha com gradil. Ficávamos em pé nesta muretinha e assim tínhamos uma visão plena do desfile.
        Particularmente o que mais me atraia a atenção eram os carros alegóricos dos clubes, sempre muito iluminados, enfeitados, com moças bonitas fantasiadas e músicas bem alegres.
        Voltávamos para casa com a sacolinha de tule vazia, mas com o coração repleto de alegria.
        Havia próximo de casa uma loja que alugava vestidos de noiva e aí morava uma amiga, Lucinda, sobrinha dos proprietários. Nesta época de carnaval a loja confeccionava adereços para as escolas de samba.
        Eu, já na pré-adolescência, fui muitas vezes ajudar neste trabalho que na verdade para mim era muito prazeroso. Montávamos os chapéus com enfeites, as coroas, colares, etc.
        Certa ocasião a dona da loja, dona Rizolina, ao saber que eu não iria nas matinês naquele ano por problemas familiares, fez às pressas uma fantasia para que eu pudesse acompanhar sua sobrinha. Lá fomos nós, Lucinda de Rainha da Lua e eu de Colombina. Nos levaram até a um estúdio fotográfico para registrar esse momento. Acho que dona Rizolina nunca soube o quanto fez minha mãe feliz com este gesto.
        Com o tempo isso foi se perdendo, assim como as idas nas matinês e a companhia dos pais para ver o corso carnavalesco. 
        Como é imperativo à vida, vieram as mudanças nesta festa e em nós mesmos.
        As antigas marchinhas deram lugar a diferentes rítmos de acordo com a preferência dos jovens de hoje; o carnaval de rua sofisticou-se e hoje é um verdadeiro show de riqueza e cores, mas que de certa forma afastou o povo pois tudo isso tem um custo que boa parte da população não pode assumir.
        Ainda restam os alegres blocos formados pelos bairros, por clubes ou entidades, que dão voz e vez a todos.
        Apesar de eu não ter mais grande atração pelo carnaval, as marchinhas antigas, ah...essas sim, estão guardadas para sempre na memória e cantaroladas nestes dias de festas carnavalescas.
        Bom carnaval ou bom descanso a todos!


Santos, 28 de fevereiro de 2025 (sexta-feira de carnaval)
 




sábado, 22 de fevereiro de 2025

Cada música, uma lembrança

    



       Tenho o hábito de aproveitar o tempo livre ouvindo música. Fico quieta no quarto curtindo minhas músicas preferidas, acompanhando passo a passo as letras e muitas vezes cantarolando junto.

    Fiz uma extensa playlist no Spotify com músicas de minha preferência, nacionais ou estrangeiras e sem nenhuma preocupação cronológica.

    Recentemente dei-me conta que cada composição traz de imediato ao ouvir os primeiros acordes, uma lembrança específica que vivi ou presenciei, representando momentos felizes e outros nem tanto.

    Resolvi então traçar este paralelo entre as músicas e minha trajetória de vida.

1. Que será será - Doris Day. Não há como não lembrar de minha mãe que assistiu ao filme com este tema musical nos anos 50 e sempre comentava sobre a história. Passei a ser fã da obra mesmo porque a melodia é muito cativante e me transporta diretamente para a infância.

2. Moon River - Audrey Hepburn - No filme Bonequinha de Luxo a cena na qual a atriz canta sentada na janela de seu apartamento, ao som de seu violão, me encantou desde sempre. Já o assisti umas três vezes.

3. Cinema Paradiso - tema do filme de mesmo nome com orquestra de Enio Morricone. A melodia linda me transporta para outras épocas. Lembro de uma maquininha comprada por meu pai onde ele colocava carretéis com desenhos sequenciais e ao virar uma manivela tais desenhos passavam a ter movimentos. Era o nosso cineminha infantil. Chegamos a projetar estes filminhos em um muro branco que havia em uma residência na avenida 10 entre ruas 2 e 3. A criançada da região se reuniu ali para assistir, sentada na calçada mesmo. 

4. Luiza - Tom Jobim. Impossível ouvir esta música sem ficar visualizando mentalmente a Luíza de minha família, com toda sua graça, juventude e beleza.

5. New York, New York - Frank Sinatra. Esta canção e sua interpretação na voz de Sinatra, dispensam qualquer comentário. A primeira imagem que me vem à mente é do Prof. Paulo Landim falecido recentemente. Ele dublou-a no palco de uma escola durante apresentações feitas em um período de greve de quase todo o funcionalismo público estadual.  Estava caracterizado como o próprio Sinatra e foi imensamente aplaudido.

6. Hey Jude - Paul McCartney. Novamente minha mãe entra em meus pensamentos. Sempre gostei muito dessa melodia e a ouvia com frequência, mas tinha que ouví-la baixinho pois minha mãe sentia angústia ao escutá-la. Dizia que era uma música sem fim, que nunca terminava.

7. Summertime - Ella Fitzgerald, Louis Armstrong. Outra delícia de ouvir. Apesar de seu ritmo lento, ela me traz na memória uma cena de desenho animado da TV. É quando o Pica Pau se veste de mulher e para provocar o leão marinho faz uma dança sensual ao som de Summertime.

8. Besame Mucho - Orquestra de Ray Conniff. Ouvi-a pela primeira vez na casa de uma amiga do antigo curso primário, Luíza Cristina Camargo. Fiquei maravilhada com o som e com o ritmo. Era um disco Long Play, que chamávamos na época de LP, que eu ainda não conhecia.

9. Céu de Santo Amaro - Caetano Veloso e Flavio Venturini. Que delícia ouvir esta obra. A melodia de Bach depois de 200 anos se encaixou perfeitamente na letra composta por Venturini. Ouvindo-a me transporto ao céu de Rio Claro, minha cidade natal. À noite durante a infância, com menos iluminação que atualmente, ainda podia se ver as milhares de estrelas cintilando e durante o dia o azul  dominava e ainda domina o firmamento.

10. Carta ao Tom 74 - Vinícius de Moraes e Toquinho. A suavidade das letras de Vinícius são verdadeiros poemas. Ouço e me coloco no lugar do cantor sentindo toda a nostalgia que ele cita pois inevitavelmente as mudanças chegam levando embora pedaços de nossa história.

11. Autumn Leaves - Eric Clapton. Essa melodia também gosto muito na voz de Nat King Cole. O outono soa como despedida, mas que valoriza ainda cada momento presente. Usei-a como fundo musical numa crônica escrita por Rubem Alves, O Amor Não Envelhece.

12. Deixa a Vida me Levar - Zeca Pagodinho. Descontração sempre é bem-vinda. Essa alegre música me traz de imediato o nome de Carolina, que nos seus vinte e poucos anos cantarolava feliz essa música que nos deixa mais leves diante da realidade da vida.

13. Fortissimo - Rita Pavone. As músicas italianas sempre estiveram em minhas preferências, principalmente as românticas dos anos 60. Essa em especial me lembra na verdade outra gravada por Rita, a Datemi un Martello. No ano de 1964 a cantora se apresentou no Brasil pela primeira vez e entre outras músicas, cantou alegremente a Datemi un Martello. No dia seguinte ao da transmissão do show na televisão, ouvi a conversa entre um vizinho, sr. Euclides, e meus pais. Estavam chocados com o tipo de música e a maneira como ela estava vestida. Eu nos meus 12 anos vibrei com a apresentação dela, mas nem me atrevi a demonstrar isso, afinal naqueles tempos criança não entrava em conversa de adultos.

14. Je t'aime Ma Non Plus - Anthony Ventura. Essa música lançada em 1969 estourou no mundo todo. Era super moderna para a época e aqui no Brasil, em plena ditadura militar, assim que o sucesso se espalhou o governo a censurou e ela foi proibida de tocar na mídia toda.  Estávamos no último ano do Ensino Médio, Curso de Magistério, e no intervalo das aulas o Grêmio Estudantil (entidade que representava o corpo discente) que era presidido por um aluno (Luiz Carlos), colocava músicas para alegrar o ambiente escolar. Num certo dia estávamos na sala do Grêmio quando o presidente colocou para tocar justamente Je t'aime, que àquela altura já estava proibida. Lembro-me da diretora da escola vir correndo e entrar desesperada na sala gritando com o rapaz para que parasse a música. O medo das represálias por parte do governo era imenso.

    Enquanto escrevo estas palavras o Spotify está tocando a playlist. 

    Citei apenas uma pequeníssima parte da relação.

    A playlist completa totaliza 8h de músicas que contam, cada uma à sua moda, um pouquinho de minha história.

    Creio que todos nós revivemos momentos marcantes de nossa trajetória ouvindo as músicas de ontem, de hoje e de sempre, pois músicas de qualidade são atemporais.


Santos, 22 de fevereiro de 2025.

 


sábado, 8 de fevereiro de 2025

NÓS E O TEMPO





            Ouvindo a música Carta ao Tom onde Vinícius de Moraes evoca com nostalgia tempos felizes que vivera no Rio de Janeiro, dei-me conta de como o elemento tempo está continuamente nos acompanhando e quase sempre carregado de saudade e melancolia.

            O tempo é contraditório. Ele pode ser um fator que estimula ou desalenta, que alegra ou entristece, que consola ou aflige, mas quer queiramos ou não mexe conosco constantemente. 

          No início da vida queremos rapidez e desejamos que ele passe depressa, mas já na fase adulta nos sentimos atropelados e queremos freá-lo.

          Seja qual for o efeito dele sobre nós em diferentes momentos, é interessante observar que à medida que avançamos nos anos de vida, olhamos cada vez mais para trás  buscando aqueles tempos que nos abrem os baús das memórias afetivas trazendo as melhores e doces lembranças.

        Para mim e creio que para muitos a música é justamente uma das chaves que abre de imediato este baú tão rico e valioso por preservar nossa história de vida.

        O tempo não pára como já cantou Cazuza e tantos outros antes dele.

        É significativo o número de letras musicadas com este tema central.

        Adoniran Barbosa com seu jeito irreverente já cantou Envelhecer é uma Arte, assim como Fábio Jr canta Meus Vinte e Poucos Anos, Arnaldo Antunes com Envelhecer e  Não Vou me Adaptar, Aldir Blanc com Resposta ao Tempo maravilhosamente gravada por Nana Caymmi, Oração ao Tempo de Caetano Veloso, e tantas outras.

     Não há como negar que são letras muito inspiradas que cantam e nos encantam nas vozes dos artistas.

        As letras nos falam de momentos passados que o próprio tempo não consegue apagar.

        Em face da situação atual na qual caminha a humanidade encerro aqui com a prece de Vinícius em sua Carta ao Tom:

"É preciso acabar com essa tristeza, 

 É preciso inventar de novo o amor".


Santos, 08 de fevereiro de 2025.