sábado, 21 de setembro de 2024

PAURA






Olhar ameaçador!

Alguém em sã consciência já viu alguma pomba com olhar ameaçador?

Pois ele vê!

E não só em pomba. Vê este olhar em vários pequenos animais, desde mariposas e até numa inocente cigarra como uma que inadvertidamente teve o atrevimento de entrar em sua casa causando um alvoroço incrível.

Talvez uma conversa com terapeuta ajude a explicar os motivos de tanta paura.

Algumas lembranças de fatos da infância já corroboram para desvendar, ao menos em parte, o que desencadeia este comportamento exagerado em um adulto.

Com pouca idade ele via com certa frequência a funcionária da casa representar com as mãos e seus longos dedos, aranhas se deslocando sobre a mesa de forma assustadora em sua direção. Isto o fazia se afastar num átimo, aos atropelos.

Será que estes episódios desencadearam os temores por outros seres, mesmo que pequenos? Pode ser.

O fato é que cada contato acidental com animais tão menores que ele, resulta em atitudes inesperadas que provocam momentos muito hilários.

Atualmente são as pombas que têm caído pela chaminé, surgindo de maneira atabalhoada na sala.

Quando menos ele espera, o barulho do bater das asas seguido da visão de uma delas na lareira, já é sinal que vem confusão no pedaço.

Nem cogita a possibilidade de se aproximar para ajudá-la a encontrar a saída. Limita-se a abrir as janelas e rapidamente sai do ambiente, ficando de longe na torcida para que a inocente e atordoada pomba voe para longe.

Tem sido assim neste final de verão europeu.

Estou lembrando agora que a pomba é o símbolo da paz. Imagine se fosse o símbolo da guerra!

No exato momento que relato este fato está justamente acontecendo a visita de uma pomba, que segundo ele, tem olhares ameaçadores.

Ela está tranquilamente pousada sobre a TV, enquanto ele está fora da casa, espiando pela janela e torcendo para que o feroz animal vá embora.

Uma cena jocosa com gargalhadas garantidas.


Santos, 20 de setembro de 2024.


Ps: Um alerta a ele: está mais do que na hora de colocar a telinha

na chaminé, antes que entre uma ave de rapina.

Aí sim, teria motivos para correr.


domingo, 15 de setembro de 2024

A TRAVESSIA

            
Rio Claro/SP   -   Santos/SP

   

        A vida caminhou bem até então, dentro da rotina, sem fatos inesperados ou preocupantes que alterassem o cotidiano.

        Isso foi bom e ruim ao mesmo tempo. Bom pela ausência de problemas, mas ruim pois nesta situação a pessoa acomoda-se na chamada zona de conforto e estanca a vida. Era assim que ela se sentiu: estagnada. 

        Reconheceu que havia chegado o momento de fazer a travessia. 

        A insegurança claro que se fez presente, mas a vontade de dar uma guinada na estrada foi bem mais forte.

        A vida profissional estava resolvida. Havia chegado a hora de deixar seu lado pessoal se expandir, explorar novas atividades, sem amarras com qualquer compromisso de trabalho.

        O que a deixou mais pensativa foram justamente as ligações afetivas, todas criadas e desenvolvidas ao longo de mais de cinco décadas vivendo na mesma cidade e na mesma casa. Cada rua, cada avenida, despertavam de imediato, lembranças de algum fato importante. Aprendera desde a infância a amar aqueles cantinhos que até hoje chama de seus.

    Com relação aos familiares e amigos, o mesmo se passou. Totalmente descartada a possibilidade de distanciar-se de todos.

       Os momentos de indecisão foram vários, mas a vontade de explorar novas experiências sempre foi muito forte e suplantou todos empecilhos.

        Foi assim que, chegando a oportunidade de optar pelo novo caminho a seguir, lembrou-se de Santos que a encantou quando tinha 14 anos.

        Já havia visitado a cidade aos 3 anos de idade, mas nenhuma lembrança ficou, a não ser as poucas fotos em preto e branco feitas na praia e no famoso leão do Gonzaga. Entretanto, na adolescência, Santos lhe cativou.

        A imagem das palmeiras imperiais na Av. Dona Ana Costa, os hotéis na região, o jardim, a praia, tudo isso estava bem gravado em sua memória. 

        Nem cogitou outro local - Santos já havia entrado em seus sonhos.

        Chegou de mudança em um final de ano. Sozinha e sem conhecer ninguém.

    Pouco a pouco foi tomando ciência dos lugares, dos passeios, fazendo amizades e muitas caminhadas nos calçadões. 

      Estranhou a princípio o fato de caminhar por tempos sem encontrar conhecidos.     Era comum deparar-se com amigos toda vez que saía na rua em sua cidade natal. 

       A época da mudança também foi muito favorável.  A cidade estava decorada para as festas natalinas.

       Famílias inteiras passeando no bem cuidado jardim, ruas planas, a beleza da natureza, tudo isso deu-lhe uma sensação muito boa. A alegria das pessoas a contagiou.

     Hoje, mais de duas décadas transcorridas, o encantamento pela cidade só aumentou. 

      O pôr do Sol, a chegada e saída de navios de cruzeiros do porto, veleiros no mar, o colorido das flores do jardim contrastando com o verde da vegetação e o azul do céu, o centro antigo com ainda alguns prédios históricos, museus, o belíssimo prédio que abriga a Pinacoteca Benedicto Calixto, e até as apresentações de arte como o Projeto Chorinho no Aquário, etc.

     Sua cidade natal continua sendo amada por ela e sempre que possível vai rever amigos e familiares que por lá deixou, mas com certeza Santos se apoderou definitivamente de sua alma.

Santos, 25/03/2024