quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

ESCRÚPULOS - PARA QUÊ?

                 


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                Há dias ando sentido necessidade de escrever algum conto ou crônica leve, para descontrair, para suavizar o dia, para despertar sorrisos.

                Entretanto tenho tido dificuldade em redigir tais temas diante de tantos fatos desagradáveis que a mídia nos mostra diariamente.

           São abusos gritantes de autoridades, são golpes perpetrados para beneficiar alguns em detrimento de muitos, são denúncias que chocam pela ousadia e por aí afora.

                    Mesmo sem querer acabo lembrando-me de uma propaganda antiga de cigarro feita pelo ex-jogador da seleção de futebol brasileira, Gérson, onde ele encerra sua fala dizendo que: "gosto de levar vantagem em tudo". 

                Este fato acabou ficando conhecido como a Lei de Gérson e teve uma péssima repercussão, sendo associado a comportamentos desonestos e moralmente questionáveis do ponto de vista ético.

            Infelizmente sabemos que há muitos seguidores desta "lei" e que se beneficiam dela usando e abusando do tal jeitinho brasileiro, que como sabemos na maior parte das vezes, corresponde a atitudes oportunistas e amorais.

                Conheço e com certeza todos nós conhecemos pessoas que podem ser consideradas doutoras nesta arte, e o que é pior, pessoas que sentem orgulho de seus feitos e de suas ditas espertezas, vangloriando-se de benefícios obtidos através do desprezível jeitinho brasileiro.

                Isto parece tão incrustado em nosso país que já não nos causa mais espanto, ao contrário, causa desalento, desânimo e até mesmo nos bloqueia a vontade de criticar, de virar o jogo, e acabamos assistindo passivamente o triunfo da falta de ética em todos os níveis da sociedade.

                Impossível não lembrar uma experiência própria quando discordei e não adotei uma certa atitude que era totalmente contrária às normas. O superior imediato diante de minha postura executou a ordem por mim negada e ainda deu um conselho que me chocou bastante:  "Na vida do dia a dia não se pode ter muitos escrúpulos"!

         Infelizmente constatamos isso diariamente ao observarmos o comportamento de um modo geral da população, mas principalmente de nossas autoridades que deveriam dar o exemplo e zelar pela ética no desempenho de suas funções. 

                São justamente essas ditas autoridades que praticam e seguem à risca a Lei de Gérson, obtendo vantagens de forma indiscriminada, passando por cima de questões éticas e morais.

                O caráter da população nacional não deve e não pode estar relacionado a estes comportamentos condenáveis.

                A descrença em uma mudança já dominou muita gente, mas ainda tenho a firme esperança que isto possa ser revertido, mesmo que seja a longo prazo.

                Ética, moral e escrúpulo, serão sempre bem-vindos!


Santos, 05 de dezembro de 2024.



sábado, 21 de setembro de 2024

PAURA






Olhar ameaçador!

Alguém em sã consciência já viu alguma pomba com olhar ameaçador?

Pois ele vê!

E não só em pomba. Vê este olhar em vários pequenos animais, desde mariposas e até numa inocente cigarra como uma que inadvertidamente teve o atrevimento de entrar em sua casa causando um alvoroço incrível.

Talvez uma conversa com terapeuta ajude a explicar os motivos de tanta paura.

Algumas lembranças de fatos da infância já corroboram para desvendar, ao menos em parte, o que desencadeia este comportamento exagerado em um adulto.

Com pouca idade ele via com certa frequência a funcionária da casa representar com as mãos e seus longos dedos, aranhas se deslocando sobre a mesa de forma assustadora em sua direção. Isto o fazia se afastar num átimo, aos atropelos.

Será que estes episódios desencadearam os temores por outros seres, mesmo que pequenos? Pode ser.

O fato é que cada contato acidental com animais tão menores que ele, resulta em atitudes inesperadas que provocam momentos muito hilários.

Atualmente são as pombas que têm caído pela chaminé, surgindo de maneira atabalhoada na sala.

Quando menos ele espera, o barulho do bater das asas seguido da visão de uma delas na lareira, já é sinal que vem confusão no pedaço.

Nem cogita a possibilidade de se aproximar para ajudá-la a encontrar a saída. Limita-se a abrir as janelas e rapidamente sai do ambiente, ficando de longe na torcida para que a inocente e atordoada pomba voe para longe.

Tem sido assim neste final de verão europeu.

Estou lembrando agora que a pomba é o símbolo da paz. Imagine se fosse o símbolo da guerra!

No exato momento que relato este fato está justamente acontecendo a visita de uma pomba, que segundo ele, tem olhares ameaçadores.

Ela está tranquilamente pousada sobre a TV, enquanto ele está fora da casa, espiando pela janela e torcendo para que o feroz animal vá embora.

Uma cena jocosa com gargalhadas garantidas.


Santos, 20 de setembro de 2024.


Ps: Um alerta a ele: está mais do que na hora de colocar a telinha

na chaminé, antes que entre uma ave de rapina.

Aí sim, teria motivos para correr.


domingo, 15 de setembro de 2024

A TRAVESSIA

            
Rio Claro/SP   -   Santos/SP

   

        A vida caminhou bem até então, dentro da rotina, sem fatos inesperados ou preocupantes que alterassem o cotidiano.

        Isso foi bom e ruim ao mesmo tempo. Bom pela ausência de problemas, mas ruim pois nesta situação a pessoa acomoda-se na chamada zona de conforto e estanca a vida. Era assim que ela se sentiu: estagnada. 

        Reconheceu que havia chegado o momento de fazer a travessia. 

        A insegurança claro que se fez presente, mas a vontade de dar uma guinada na estrada foi bem mais forte.

        A vida profissional estava resolvida. Havia chegado a hora de deixar seu lado pessoal se expandir, explorar novas atividades, sem amarras com qualquer compromisso de trabalho.

        O que a deixou mais pensativa foram justamente as ligações afetivas, todas criadas e desenvolvidas ao longo de mais de cinco décadas vivendo na mesma cidade e na mesma casa. Cada rua, cada avenida, despertavam de imediato, lembranças de algum fato importante. Aprendera desde a infância a amar aqueles cantinhos que até hoje chama de seus.

    Com relação aos familiares e amigos, o mesmo se passou. Totalmente descartada a possibilidade de distanciar-se de todos.

       Os momentos de indecisão foram vários, mas a vontade de explorar novas experiências sempre foi muito forte e suplantou todos empecilhos.

        Foi assim que, chegando a oportunidade de optar pelo novo caminho a seguir, lembrou-se de Santos que a encantou quando tinha 14 anos.

        Já havia visitado a cidade aos 3 anos de idade, mas nenhuma lembrança ficou, a não ser as poucas fotos em preto e branco feitas na praia e no famoso leão do Gonzaga. Entretanto, na adolescência, Santos lhe cativou.

        A imagem das palmeiras imperiais na Av. Dona Ana Costa, os hotéis na região, o jardim, a praia, tudo isso estava bem gravado em sua memória. 

        Nem cogitou outro local - Santos já havia entrado em seus sonhos.

        Chegou de mudança em um final de ano. Sozinha e sem conhecer ninguém.

    Pouco a pouco foi tomando ciência dos lugares, dos passeios, fazendo amizades e muitas caminhadas nos calçadões. 

      Estranhou a princípio o fato de caminhar por tempos sem encontrar conhecidos.     Era comum deparar-se com amigos toda vez que saía na rua em sua cidade natal. 

       A época da mudança também foi muito favorável.  A cidade estava decorada para as festas natalinas.

       Famílias inteiras passeando no bem cuidado jardim, ruas planas, a beleza da natureza, tudo isso deu-lhe uma sensação muito boa. A alegria das pessoas a contagiou.

     Hoje, mais de duas décadas transcorridas, o encantamento pela cidade só aumentou. 

      O pôr do Sol, a chegada e saída de navios de cruzeiros do porto, veleiros no mar, o colorido das flores do jardim contrastando com o verde da vegetação e o azul do céu, o centro antigo com ainda alguns prédios históricos, museus, o belíssimo prédio que abriga a Pinacoteca Benedicto Calixto, e até as apresentações de arte como o Projeto Chorinho no Aquário, etc.

     Sua cidade natal continua sendo amada por ela e sempre que possível vai rever amigos e familiares que por lá deixou, mas com certeza Santos se apoderou definitivamente de sua alma.

Santos, 25/03/2024


 

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

UMA PAIXÃO CHAMADA VELO CLUBE RIO-CLARENSE


      O ser humano é mesmo uma caixinha de surpresas.
    A despeito de todos estudos existentes sobre a psique do homem, sempre nos surpreendemos com comportamentos que por si só não têm explicações bem objetivas.
      Isto é até favorável se considerarmos que tudo o que é previsível,  acaba tornando-se monótono, anulando o impacto da surpresa, principalmente quando esta for positiva, claro.
   Assim acontece por exemplo, com a verdadeira paixão que as pessoas nutrem por times esportivos, especificamente pelo futebol.
       Sabemos que todos os esportes agregam grandes torcidas, mas a bola no pé se sobressai no mundo todo, com poucas exceções. 
      Todo este preâmbulo ocorre devido ao próximo aniversário do Velo Clube Rio-Clarense, time de futebol que como seu nome diz, existe na cidade de Rio Claro/SP.
    No próximo dia 28 de agosto ele completará 114 anos e obteve em sua última campanha, o acesso à Primeira Divisão do futebol Paulista.
      Cresci vendo como decoração de meu quarto de menina, as paredes tomadas por vários quadros com fotos de símbolos e de jogadores velistas das décadas de 50/60.
    Acostumei ver meu pai sair todos os domingos logo após o almoço, e dirigir-se ao campo do Velo, houvesse ou não jogo.
     Muitas vezes eu e meu irmão,  ainda crianças, o acompanhávamos e sabíamos até os nomes dos jogadores.
       Lembro do grupo de amigos de meu pai que também traziam o time no coração e na alma, como os irmãos Chacur, Benito Castellano, Betinho Borges, Márcio Aily, Edgar Ribeiro, Toninho Catelani, Taufik Simão, Antônio Morgado, Arlindo Schmidt, Antônio Carlos Trivelato, Sebastião Schmidt (Tana), Anésio Spiller, Lenio Mônaco, Japyr Pimentel, Sérgio Cerri e tantos outros. A lista é grande.
        O que me surpreendia (e até hoje carrego essa sensação) era observar como ele, que no núcleo familiar era extremamente contido e tinha grande dificuldade em demonstrar seus sentimentos,  quando o tema era o Velo deixava a emoção transparecer vivamente. 
    Falava do Clube com uma admiração  incrível mesmo diante de situações difíceis pelas quais muitas vezes o time passou.
  Confesso que tal paixão provocou momentos  de discussão no seio familiar. Isso ocorreu até compreendermos que era no futebol, e só  através do Velo, que ele se permitia extravasar sentimentos. 
    Com certeza em seu peito pulsava um coração vermelho com a cor verde ao lado. Amor sem comparação. 
   Agora que se aproxima mais um aniversário do time e justamente um momento importante para os velistas, Italo Cerri, aonde quer que esteja, sorrirá e festejará ladeado pelos amigos que com ele acompanharam o time em todos os maus e bons momentos. 
       Ficam aqui meus parabéns  ao Clube, meu desejo de sucesso nesta próxima campanha e também meus agradecimentos pelas alegrias  proporcionadas ao meu pai.


Rio Claro, 16 de agosto de 2024.

Para Italo Cerri e todos os velistas de coração e alma.
 
 


sexta-feira, 17 de maio de 2024

ZÉ GRANDÃO



         O rapaz abriu apenas por poucos instantes a porta de madeira do armário.

       Entre materiais escolares e de escritório, objetos de venda daquela papelaria, ela viu rapidamente um pacote volumoso embrulhado em papel celofane transparente.

       Foi-lhe pedido que não comentasse com ninguém o que vira. Nenhuma outra informação foi dada, apenas que seria seu presente de aniversário pelos 6 anos de vida. 

       Só teve tempo de ver que tinha a cor amarela e era algo grande.

       Mas o que seria?

    Silente, cumprindo a promessa feita, aguardou paciente o dia de seu aniversário para constatar o que realmente havia naquele pacote.

     E a surpresa foi grande, literalmente grande. Era um urso de pelúcia amarelo pouco menor que ela. Abraçá-lo exigia até um certo esforço. 

       De imediato ganhou o nome de Zé Grandão por causa de um personagem de revista em quadrinhos, que sempre acompanhado de uma raposa chamada João Honesto (que na verdade não era tão honesta assim), viviam perseguindo o coelho Quincas.

      Zé Grandão ganhou lugar de honra no quarto ficando  sentado sobre a cama quando não estava envolvido nas brincadeiras da garota.

    Com o passar dos anos ele foi promovido de brinquedo à confidente da já pré-adolescente.

   Ouvia calado e atento as queixas daquela amiga que com ele desabafava situações em que se sentia incompreendida pelos adultos.

    O tempo passou e agora com os pelos escurecidos pois não podia ser lavado (seu interior era todo de palha) e com alguns pontos rasgados nas patas, Zé Grandão continuava firme em seu posto sobre a cama.

    Até que um dia acharam por bem se desfazer do velho urso e isso foi feito sem prévio aviso á sua dona, agora já adulta.

     Quando sua falta foi sentida, Zé Grandão já estava longe de sua antiga morada.

    Causou uma certa decepção a quem realmente deveria decidir seu destino, mas como ele já estava bem roto, não havia muito a contestar.

    Anos se passaram e certo dia, para surpresa daquela menina agora uma mulher, ao entrar no quarto deparou-se com um urso também grande, com pelos escuros, laço vermelho no pescoço e ocupando a mesma posição do anterior.

    Recebeu de imediato o nome de Zé Grandão em homenagem àquele que tanto alegrou a garota de 6 anos, além de ter sido seu confidente durante a adolescência e companheiro por tanto tempo.

   O novo Zé Grandão que agora pode tomar banho, já que é feito de material lavável, mudou-se também para Santos e hoje ocupa lugar de destaque sentado na confortável poltrona do quarto. 

    Está ali trazendo lembranças felizes de uma infância que já vai longe! 


Santos, 17 de maio de 2024



 




segunda-feira, 8 de abril de 2024

BULLYING SEMPRE EXISTIU

 



            Vez ou outra um comentário, uma palavra, uma foto, nos lembram momentos interessantes que vivemos recentemente ou mesmo há muitos anos.
           
           Lembranças antigas da cidade mostradas recentemente numa rede social, de imediato lhe trouxeram à mente um fato marcante que até hoje a surpreende.

           Época: antigo Curso Primário, atual Ensino Fundamental I. 
          
          Escola: “Marcello Schmidt”.
          
         Com um ano apenas de diferença na idade, os dois irmãos cursavam ele a 4ª série e ela a 3ª série.

        Nesta fase ela era um tanto espevitada, enquanto ele era tranquilo, calmo e ignorava qualquer provocação. Ficava sempre como se diz, “na dele”.

       Talvez devido a este posicionamento um colega de classe passou a provocá-lo, adotando um comportamento que hoje chamamos de bullying.

      Sempre na saída das aulas ele levava um tapinha na cabeça, uma puxada de orelha, ou outra hostilidade qualquer. Nunca reagia, não dava a menor bola.

        Os irmãos e o provocador sempre faziam o mesmo trajeto ao saírem da escola até chegarem ao jardim público. A partir daí os caminhos se diferenciavam.

       Certa vez a irmã cansada de ver tais provocações, resolveu tomar uma atitude e a fez em total silêncio, sem comentar nem com os pais.

      Como era bem menor que o garoto agressor, sabia que não teria chance ao enfrentá-lo cara a cara. Lembrou-se então da enceradeira que havia na casa e que era usada para dar brilho ao assoalho. As três escovas de sua parte inferior eram unidas por uma borracha grossa e forte que às vezes escapava da tal enceradeira.

            Era a arma que ela precisava.

         Na manhã seguinte, antes de seguirem para a aula, a garota retirou a dita borracha do local e a guardou dentro da bolsa escolar, esperando a oportunidade para usá-la.

         Naquele dia retornaram novamente juntos para casa sendo seguidos de perto pelo importunador. Ao chegarem ao meio do jardim público, onde até há pouco tempo existia uma banca de revistas, eis que seu irmão leva um tapa na cabeça.

        Ela imediatamente pegou a borracha de dentro da bolsa e sem que o outro tivesse tempo de se defender, começou a desferir borrachadas em suas pernas.

        Naquela época o uniforme escolar dos meninos era uma calça curta, o que deixava as pernas totalmente à mostra.

        Pego de surpresa, o autor do bullying começou a correr e foi seguido de perto pela garota que continuou a lhe acertar as pernas com a borracha.
     Fizeram várias voltas em torno da banca de revistas enquanto o proprietário, senhor Edgar, incrédulo, só olhava a cena.

         Finalmente o provocador saiu em disparada rumo à sua casa.

         A partir daquele dia, o bullying nunca mais aconteceu.

        Para ela a enceradeira tinha sido muito mais útil do que simplesmente dar brilho ao assoalho.
 

Santos, 07 de abril de 2024

Nota: Para Angela Hilsdorf pela recordação da banca do sr. Edgar, e ao W.B. que já praticava o bullying há muitos anos.

 Aí está a borracha preta contornando as 3 escovas.


quarta-feira, 27 de março de 2024

AFEIÇÃO E INDIFERENÇA

 


          A cada ano que passa, e já se vão várias décadas desta minha existência, mesmo sem planejar ou desejar, acabo fazendo comparações buscando analogias e diferenças em meu modo de pensar e me relacionar com o mundo, durante todo este tempo.

        Observo alterações muitas vezes significativas.

        Na infância e se estendendo até o início da fase adulta, prestes a entrar no mercado de trabalho, é inerente e esperado que todos tenhamos muitos objetivos a alcançar, sonhos a realizar, sempre buscando um crescimento pessoal e também sucesso na vida profissional.  

      Claro que estas realizações quando atingidas com resultados altamente positivos, trazem consigo na esteira, facilidades para aquisição de bens de um modo geral. Isto é perfeitamente compreensível.

     Estamos, porém, presenciando atualmente uma verdadeira febre que costuma se chamar  ostentação. 

       Pessoas ainda bem jovens que por um ou outro motivo conseguem se destacar dentre as demais (não entrarei no mérito deste fato), sentem uma necessidade enorme em exibir bens adquiridos, passeios caros, vida de luxo, numa ambição sem limites.

       Nada contra.  Cada um faz de sua vida o que lhe apraz, mas sinto uma vulnerabilidade enorme nesta tal ostentação, pois se deseja um objeto apenas para tê-lo, sem significado maior além da pura exibição.

       Entretanto, voltando à análise de como enxerguei a vida nestes anos todos, observo que apesar de nunca ter sido consumista,  o tempo me tornou mais seletiva ainda.

       É a tal dicotomia: afeição e indiferença.

      Não é qualquer fato ou coisa que me atraia ao ponto de desejá-la ardentemente. 

      Noto que as coisas que mais me falam à alma, mais tocam meus sentimentos, além é claro, das pessoas com as quais convivo, são objetos que carregam em si, uma parte de minha história de vida.

     Assim é com uma mesa que está na família há muitos anos, uma jarra de porcelana, plantas que minha mãe cuidava com carinho, uma roupa que usei numa ocasião de plena felicidade, um local onde estive na companhia de pessoas que amo, um casa onde morei por anos e que me recorda momentos bons vividos em cada cantinho dela, assim como as pessoas que a compartilhavam.

      Já me disseram, que coisas são coisas, assim como Chico César canta na música “De uns tempos para cá”. * 

      Claro, concordo que coisas são meramente coisas. Não é necessário ser discípula de Platão ou Sócrates para entender isso.

       Reafirmo, entretanto, que aprendi através da vivência de décadas, que há coisas que são relevantes, justamente por nos trazerem lembranças boas, lembranças queridas que por si só, são excelentes companheiras. 

        Por estas eu tenho afeto, e me orgulho disso!

Santos, 27 de março de 2024


*Música: DE UNS TEMPOS PARA CÁ

Autor: Chico César

De uns tempos pra cá

Os móveis, a geladeira

O fogão, a enceradeira

A pia, o rodo, a pá

Coisas que eu quis comprar

Deu vontade de vender

Pra ficar só com você

Isso de uns tempos pra cá

De uns tempos pra cá

O carro, a casa, o som

Tv, vídeo, livros, bom

O que em tese faz um lar

Admito eu quis comprar

Começo a me arrepender

Pra ficar só com você

Isso de uns tempos pra cá

Coisas são só coisas

Servem só pra tropeçar

Têm seu brilho no começo

Mas se viro pelo avesso

São fardo pra carregar

Coisas são só coisas

Servem só pra tropeçar

Têm seu brilho no começo

Mas se viro pelo avesso

São fardo pra carregar

De uns tempos pra cá

O pufe, a escrivaninha

Sabe a mesa da cozinha?

Lençóis, louça e o sofá

Não precisa se alterar

Pensei em me desfazer

Pra ficar só com você

Isso de uns tempos pra cá

De uns tempos pra cá

Telefone, bicicleta

Minhas saídas mais secretas

'To pensando em deixar

Dê no que tiver que dar

Seu amor me basta ter

Pra ficar só com você

Isso de uns tempos pra cá

Coisas são só coisas

Servem só pra tropeçar

Têm seu brilho no começo

Mas se viro pelo avesso

São fardo pra carregar

Coisas são só coisas

Servem só pra tropeçar

Têm seu brilho no começo

Mas se viro pelo avesso

São fardo pra carregar


segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

NOSSAS ORIGENS

 

       


Desde pequena ouvíamos nosso avô paterno e também nosso pai, falarem sobre Lucca, uma cidade italiana na região da Toscana de onde nos fins do século XIX, nossos bisavós Angelo e Rosa vieram para o Brasil em busca de novas oportunidades.

Um cunhado de Angelo já havia feito esta mesma viagem e isso estimulou o casal a imitá-lo.

Com eles veio o primogênito Casemiro. Os demais filhos nasceram no Brasil.

Lembro-me que avô Adolpho dizia que quando ainda era bem menino a família retornou à Lucca, mas optaram mesmo por fixar residência no Brasil, especificamente em Rio Claro/SP, e para lá mudaram-se definitivamente após um tempo na cidade italiana.

Ficava evidente o desejo de Adolpho e também de meu pai, de conhecerem esta cidade italiana, mas naqueles tempos era realmente um sonho impossível devido às dificuldades na viagem, dificuldades na comunicação e financeiras obviamente.

Cresci com uma Lucca imaginária na mente. 

Sempre fui muito interessada em História, e em se tratando da história de minha família então, esse interesse triplica! Com certeza isso se passa também com os demais membros da família.

Anos se passaram e com eles quase um século e meio desde a vinda do casal ao Brasil.

Nos meses finais de 2023 começamos a esboçar e programar uma possível realização deste sonho.

Graças ao empenho de minha cunhada Selma e a colaboração de todos, em especial de meu sobrinho, passo a passo fomos planejando tão almejada viagem.

No último mês do ano, precisamente em dezembro, o que me parecia inviável aconteceu.

Aproveitando nossa estada em terras lusitanas onde atualmente meu irmão e família residem, partimos com destino a Lucca, passando no caminho pela bela Milão e a indescritível Florença. Infelizmente as duas mais novas da família, Carolina e Luíza, não puderam nos acompanhar em função de compromissos profissionais.

Já na estrada a visão dos primeiros outdoors com propagandas do comércio na cidade, foram nos deixando cada vez mais ansiosos. A despeito de já termos visto reportagens e fotos dos locais, tudo nos parecia a mais pura novidade. 

Era como se estivéssemos entrando verdadeiramente no túnel do tempo.

Com auxílio da tecnologia e acesso a determinadas informações, conseguimos chegar à Igreja San Cassiano a Vico.

Primeira parada e primeira emoção.

Foi justamente nesta igreja que em 6 de outubro de 1892, Angelo Cerri desposou Rosa Marcucci.

O ponto de partida de nossas origens estava ali, diante de nossos olhos.

Uma igreja antiga como já esperávamos, simples e pequena, mas que causou em mim e com certeza aos demais da família, uma emoção imensa.

Diante do altar singelo e ao mesmo tempo grandioso para nós, a fantasia criou asas e não foi difícil imaginar o casal ali, iniciando nossa família.

Como gostaria que meu avô e meu pai estivessem conosco ali, naquele momento. 

Seria mais sublime ainda!

De posse de informações em documentos antigos, conseguimos também passar pelas ruas onde ambos moravam quando solteiros. Tudo era novidade, tudo era aperto no coração.

Permanecemos em Lucca por 3 dias e assim pudemos caminhar por locais onde nossos antepassados com certeza passaram, talvez já ansiosos e munidos de coragem planejando a travessia do Atlântico em busca de novas vidas.

Uma cidade medieval que conserva suas tradições e ao mesmo tempo caminha rumo ao futuro. Um lugar extremamente prazeroso onde cada cantinho nos conta uma história interessante.

Impossível não sentir que nossos bisavós nos acompanharam durante todo este passeio.

A visita a Lucca e a entrada na igreja San Cassiano a Vico, representam fatos dos mais marcantes em toda esta minha existência de mais de 7 décadas.

Retornamos às origens e vivenciamos nosso passado.

Sensação inesquecível!



Santos, 05 de fevereiro de 2024.



Obs: Meus agradecimentos a todos da família e em especial à Selma e ao Luís Fernando.





                                           Igreja San Cassiano a Vico - Lucca - Itália



                                   Sobrado da família Cerri - Rua 3 esquina da av. 8 - Rio Claro/SP
                                                          Ano: 1936

                              Ainda não havia nascido o último neto: Sérgio Francisco Cerri

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