domingo, 10 de setembro de 2023

EM STAND BY


 

        Sempre gostei de ler algumas tirinhas divertidas de jornais como charges, caricaturas, cartuns, etc. 

        Desde criança lembro que ao pegar a revista O Cruzeiro que existia na época, ia direto para a última página procurar a criação de Péricles: O Amigo da Onça.

        Ainda na infância fui fã também de  revistas em quadrinhos como Luluzinha, Bolinha, Pato Donald, Zé Carioca, e toda a turma Disney. 

        Com um pouco mais de idade passei a me interessar somente pelas tirinhas satíricas que eram publicadas no jornal O Estado de São Paulo que meu pai assinava na época, e outros jornais que me caiam nas mãos, às vezes de maneira meio velada, como o famoso jornal O Pasquim.

        Impossível esquecer a diversão que era ler as histórias de Graúna, Bode Orelana, os fradinhos, e  toda a criação de Henfil.

        No Estadão lembro, dentre outras, de  Mutt e Jeff e a ótima Calvin e Haroldo (criação de Bill Watterson). Esta última já em meados da década de 80.

                Acompanho até hoje esta dupla formada pelo garoto e seu tigre de pelúcia. Os temas são sempre atuais pois são extemporâneos e abordam amizade, família, escola, etc.

        Sempre há algum comportamento dos personagens, que além de nos fazer rir, acaba por nos lembrar de algum fato da nossa própria realidade.

        Assim aconteceu há poucos dias quando ao ler na internet a tirinha desta dupla, lembrei-me na hora de uma grande saia justa que passei por ter atuado exatamente como Calvin fez na tirinha, ou seja, demonstrar expressão de interesse mas deixar a mente livre e pensar em outras coisas diante de alguém com uma conversa que não nos agrada em absoluto.

        Sempre ao final da tarde eu e outra professora tomávamos um ônibus da antiga frota José Alexandre Jr, para irmos de Rio Claro a Ipeúna, pois lecionávamos nesta cidade no período noturno.

        O ônibus era muito velho e tremendamente barulhento.  A estrada a ser percorrida também não ajudava em nada, pois era de terra batida, cheia de buracos e mal conservada.

        Minha companheira de viagem era uma daquelas pessoas que falavam muito e sem parar. Havia um agravante: falava muito baixinho, em som quase inaudível.

        Quando o ônibus chegava no ponto, eu sempre procurava entrar antes dela e buscava um assento onde só havia um lugar vago.  Isso era proposital para evitar o falatório pelos 20 Km de viagem.

        Às vezes eu não tinha sorte e acabávamos indo no mesmo banco.

        Comecei então a usar um recurso que eu mesma chamava de stand by.  Ficava olhando para ela demonstrando interesse, mas minha mente viajava por outros recantos. Mesmo que eu estivesse a fim de escutá-la, era muito difícil pois todo o barulho no interior do veículo cobria totalmente a voz fraquinha dela.

        Certa vez passei um grande constrangimento. 

        Ela contava seus casos e estava sentada ao lado da janela aberta. Eu balançava a cabeça como se estivesse concordando com tudo, mas sem ter a menor ideia do assunto.

        Até que de repente percebi que ela esperava uma resposta minha. Conclui erradamente que  tinha que concordar e falei com toda a ênfase possível:

        -  Sim, é claro que sim!!! Qualquer um sabe disso!

        Na mesma hora seu semblante transformou-se numa carranca, e enquanto fechava a janela do ônibus, disse em alto e bom som:

        -  Por que não me avisou? Bastava ter me pedido para fechar a janela!

        Só neste momento entendi que ela havia me perguntado se o vento estava incomodando.

        Nunca soube se a reação brava dela foi por ter considerado minha resposta malcriada e agressiva, ou por ter captado que eu não estava prestando a mínima atenção na longa  história que me contava. 

        Apesar do climão que ficou, acabei saindo no lucro pois irritada com minha maneira de responder, não abriu mais a boca até o final da viagem.

        Deste dia em diante achei por bem encerrar minha temporada de stand by, mas de certa forma foi até desnecessário, pois minha acompanhante também passou a procurar sempre um banco com um único lugar para sentar.


Santos, 10 de setembro de 2023


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