quarta-feira, 22 de outubro de 2025

RESTAURANTE AVIÁRIO

        





        Mesmo com os tempos acelerados nos dias atuais, acho difícil encontrar alguém que não se encante com a natureza que nos cerca.

        Em algum momento do dia sempre haverá de maneira sutil ou não, a beleza de um jardim, o perfume de flores, aves cantando ou qualquer outra manifestação de algum ser vivo que não seja humano e que chame nossa atenção mesmo que momentaneamente.

        Eu particularmente sempre admirei o ambiente como um todo e até por isso fiz graduação em biologia que à minha época era chamada de história natural. Além dos seres vivos estudávamos geologia, mineralogia, petrografia, paleontologia,etc.

        Após a aposentadoria pude dedicar mais tempo principalmente às plantas que pouco a pouco estão tomando todo espaço aqui da sacada, lembrando uma mini Mata Atlântica.

        Não tenho os atualmente chamados pets, pois apesar de gostar principalmente de cachorro, não sou tutora de nenhum já que costumo viajar e isso dificulta e seria difícil levá-lo. Considero também o custo para cuidar destes bichichos.

        Como há muitas árvores próximas ao prédio onde moro vejo diferentes tipos de pássaros pousados nos galhos. Resolvi então montar um comedouro para eles, embora de maneira bem amadora.

        Para os pardais que preferem grãos improvisei uma simples tampa de achocolatado onde colocava alpistes. 

        Para as demais aves usei uma determinada embalagem plástica de bolacha de chocolate, onde colocava pequenos pedaços de mamão e às vezes banana. Desta forma eu também me beneficiava, pois sempre que havia a necessidade de trocar tal comedouro eu era "obrigada" a comprar novo pacote desta bolacha de chocolate.

        No final do dia eu recolhia estes comedouros, pois há morcegos nas árvores  e eu não estava a fim de receber visitas deles. Se um entrasse aqui com certeza eu é quem sairia voando pela janela.

        A festa dos passarinhos logo de manhãzinha era enorme. Era hora de eu levantar e servir-lhes o café da manhã, fato que eu fazia antes mesmo de tomar o meu  café.

        De longe eu os observava. Os maiores faziam valer seus tamanhos e sempre que chegavam espantavam os menores. Os principais fregueses do "restaurante" eram pardais, sanhaços azuis, sabiás-laranjeira e bem-te-vis. Às vezes vinha também o tiê sangue, mas não era muito assíduo.

        Comecei a observar detalalhes nos comportamentos e notei que o bem-te-vi, ao menos os que aqui vinham, era o mais bravo e dominante. Aprendi que quando fica visível um topete loiro sobre sua cabeça, à moda Trump, signifca que está excitado, fazendo um cortejo ou demonstrando agressividade, que creio ser o caso aqui, já que espantava até o sabiá.

        O tiê sangue que no meu entender era o mais bonito, era também o mais arisco e desconfiado.

        Entretanto, surgiu um problema já que há outras sacadas sob a minha. Não tinha como ser evitada a queda de casquinhas de alpistes e até mesmo pedacinhos de frutas em casas alheias. Isso acarretou em reclamação de um morador que se sentiu lesado, fato este que me fez fechar o restaurante para não prejudicar ninguém.

        As casquinhas do alpiste o vento levava, mas os pedacinhos de frutas eram às vezes levados no bico pelas aves maiores. Cheguei a observar esse fato. Elas se alimentavam e saiam voando carregando um pouco da comida presa ao bico.

        Infelizmente os pássaros não me pediam embalagem para viagem e nem serviço de delivery. 

        Apesar do tamanho reduzido do alimento, creio que alguns possam ter escapado e caido no vizinho de baixo.

        Descartei a ideia de colocar um comedouro mais internamente na minha sacada, pois observei em algumas ocasiões que quando uma ave se desorientava e não usava o waze, ao sair ela voava para o lado contrário e entrava em casa. Tentando achar a saída mesmo com a janela totalmente aberta, a ave se dirigia justamente para a parte onde o vidro é fixo e dava violentas cabeçadas até conseguir sair, sempre com minha ajuda. 

        Hoje me contento mais em ouvir os pássaros e vê-los às vezes em meio aos galhos e folhas. 

        O único incômodo, se é que posso chamar assim, é ouvir o sabiá-laranjeira cantar geralmente às 5 horas da madrugada e não mais ao amanhecer e entardecer. 

        Também pesquisei esse fato e vi que a insônia do sabiá se deve a uma adaptação da ave: canta mais cedo pois o barulho durante o dia dificulta a demarcação de território e a atração de fêmeas

        Nos tempos atuais até as aves têm estresse!


Santos, 22 de outubro de 2025

Obs: dia 5 de outubro - Dia da Ave - Sabiá-laranjeira é a ave símbolo do Brasil.



quarta-feira, 1 de outubro de 2025

JULIANA SERZEDELLO



    A tarde caminhava para sua despedida e alguns raios de sol ainda teimavam em iluminar a Rua 2, na então calma e tranquila cidade de Rio Claro/SP na década de 1960.

    Em nossa antiga casa meus pais apoiados no parapeito existente na área de entrada, olhavam o movimento naquele final de tarde.

    Ao lado deles, eu ainda adolescente, também apreciava aquele término de dia.

   De repente um carro de coloração alaranjada, não me lembro bem se era Renault Dauphine ou Gordini,  estacionou na calçada do lado oposto. De seu interior saiu uma família que até então desconhecíamos.Eram os pais e quatro crianças. Na sequência todos entraram em uma casa distante apenas alguns metros de onde estávamos.

    Era a família Serzedello que chegava de mudança para nossa cidade.

    Com o passar dos dias os contatos com os vizinhos começaram e de imediato a reação de todos foi altamente positiva. 

    O pai, professor doutor Alcides Serzedello, iniciava seu trabalho na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Rio Claro, atual UNESP.

    D. Lydia, sua esposa, pessoa extremamente educada e seus quatro filhos logo ganharam a simpatia da turma da Rua 2 como costumávamos nos identificar.

    Naqueles tempos, anos finais da década de 1960, ainda havia a possibilidade de crianças brincarem livremente na rua. Foi assim que Juliana e mais tarde Lélia, tornaram-se amigas de infância de minha irmã.

    Era comum vê-las juntamente com outras amigas de idades próximas, como Maria Inês e Fátima, correrem pelas calçadas em suas brincadeiras no início de cada noite.

    Lembro-me bem que nesta época uma das modas para as meninas era usarem várias pulseiras de plástico duro, todas bem coloridas. 

    Juliana e Lélia tinham estes acessórios.

    Este detalhe memorizei graças a um motivo especial.

    Minha irmã nem sempre tinha autorização para estar na rua brincando. Vez ou outra recebia, devido a algumas traquinagens, o castigo de ficar em seu quarto sem encontrar as amigas.

    O desespero maior dela era justamente ficar presa em casa enquanto ouvia o barulho característico das pulseiras chacoalhando nos braços das meninas enquanto corriam na rua durante as brincadeiras de pega-pega. Ouvir aquele som e não poder estar junto às amigas, era mesmo o pior castigo para a menina.

    O tempo passou e só ampliou o bem querer de todos em relação à família Serzedello. 

    Os pais, além de suas atividades diárias, também eram bem atuantes na comunidade desempenhando várias funções filantrópicas; os filhos crescendo e sempre demonstrando muita educação, responsabilidade e gentileza.

    Graças às redes sociais pude retomar o contato com as meninas, agoras mulheres, mesmo morando há anos em outra cidade e portanto, distante da minha querida Rua 2. 

    Na verdade pelo que lembro a única pessoa que continuou a morar naquela quadra foi justamente Juliana. Todos os vizinhos antigos mudaram-se e muitas casas comerciais surgiram na região, pois o centro da cidade se expandiu.

    Hoje logo pela manhã, recebi a notícia da partida de Juliana.

    Foi um susto! 

    Há pouco tempo trocamos mensagens. Como sempre foi gentil e delicada, comentando sobre o recente falecimento de Luiz, pessoa de meu relacionamento. Eu desconhecia qualquer problema mais sério com Juliana.

    Ao receber a notícia de sua partida veio de imediato a lembrança daquela tarde em que a família chegara de mudança para nossa rua!

    Muita tristeza com sua partida Juliana!

    Com certeza será luz onde quer que esteja, pois aqui entre nós sei que iluminou a vida de muita gente.

    Siga em paz ao encontro do Pai.


Santos, 1 de outubro de 2025. 

Para Juliana Serzedello (em memória).