sábado, 31 de maio de 2025

DORMINDO NA PRAÇA

    


  


"Prefiro a música porque ela ouve  o meu silêncio e ainda o traduz, sem que eu precise me explicar".

    Li há poucos dias a frase acima cujo autor não consegui identificar, e concordei de imediato. A música fala por nós de uma maneira plena e objetiva.

    Impossível existir alguém que não tenha sido marcado na mente e na alma, por uma música.

    Todos temos nossa trilha sonora da vida!

    Eu por exemplo tenho várias que me trazem desde belas lembranças, até momentos de medo, ou ainda de muita gargalhada e descontração.

    Em minha memória afetiva carrego muita MPB, bossa nova, baladas, boleros, rock and roll, etc, mas nunca fui muito chegada no gênero musical sertanejo. Claro que sempre há uma ou outra música que aprecio e chego a cantarolar, mas com certeza não é o meu estilo preferido. 

    Há pouco liguei a TV e uma dupla sertaneja cantava um sucesso do início dos anos 2000. Impossível não sorrir e lembrar de um fato insólito que vivenciei e que me fez cantarolar essa música.

    Estávamos numa cidade no interior de SP onde ocorreria ao final daquele dia, um baile de formatura. 

    Devidamente hospedadas num hotel no centro e bem próximo ao local das festividades, não nos preocupamos em ver número de táxi (ainda não havia sistema uber e similares) para o retorno que seria durante a madrugada e muito menos anotar o telefone do hotel.

    No horário marcado para o início do baile dirigimo-nos ao clube caminhando calmamente. Afinal eram poucas quadras de distância.

    A festa estava muito animada, com os formandos, amigos e familiares festejando o final de uma jornada de anos de estudos e o próximo início da vida profissional.

    Por volta das 3 horas resolvemos retornar ao hotel pois o cansaço e sono já haviam chegado fortemente.

    Surpresa!!!!!

    A porta de acesso ao hotel estava fechada, muito bem fechada até com cadeados. Olhando pelo vidro da porta não divisávamos ninguém na portaria que se encontrava totalmente âs escuras. 

    Nunca soube até aquele momento de um hotel que fechasse as portas e não ficasse ninguém responsável por atender clientes já hospedados no local e que chegassem no meio da noite.

    Batemos com força na porta mas o silêncio foi a nossa resposta.

    Bem em frente ao hotel havia um jardim com muitos bancos que àquela hora da madrugada estavam absolutamente vazios. 

    Foi quando o sucesso da dupla Bruno e Marrone bateu em nossas lembranças: Será que teríamos que dormir na praça???

    Impossível não cantarolar, entre risadas:

"Seu guarda eu não sou vagabundo

Eu não sou delinquente, sou um cara carente

Eu dormi na praça...."

    Continuamos a bater na porta até que vi em um canto da parede uma pequena anotação com o número do telefone do hotel.

    Foi a nossa salvação. 

    Liguei e claro, demorei a ser fui atendida. 

    Quando já estava desesperançosa e até escolhendo em qual banco terminaria a minha noite, ouvi uma voz sonolenta atendendo o telefonema. 

    O funcionário ainda custou a entender que queríamos entrar em nossos aposentos e nos olhou com expressão incrédula, tipo assim, de onde vieram estas duas a esta hora da madrugada e com roupas de festa?

    Nem nos explicamos porque o sono era grande e já estava quase clareando o dia.

    Por muito pouco não pudemos curtir a mesma experiência de Bruno e Marrone e sermos acordadas por um guarda enquanto dormíamos no banco da praça! Encerraríamos com chave de ouro esta grande noitada.


Santos, 31 de maio de 2025

Obs: Para Carolina, lembrando de seu baile de formatura e para Tutu, que quase foi minha companheira de noitada no banco da praça.






 


quinta-feira, 1 de maio de 2025

DORMINDO COM O INIMIGO

                         
           

         Se você pensou em alguma história de suspense ou terror, errou!

        Nada a ver com assassinos ou fantasmas.

        Foram companheiros de quarto bem incomuns.

        O perigo que poderiam provocar era causarem um grande susto e até uma gritaria em plena madrugada.

        O chalé era muito gracioso e aconchegante. O jardim que o rodeava era bem cuidado, com árvores e flores em quantidade.

        Na janela do quarto uma floreira carregada de gerânios dava um toque especial ao aposento.

        Logo após o pôr do sol ela resolveu fechar as venezianas com receio que algum inseto entrasse voando no aposento.

        Eis que no momento em que fazia isso uma andorinha desavisada e provavelmente com seu GPS desregulado, ao invés de se dirigir para seu ninho em alguma árvore, entrou voando rapidamente dentro do quarto.

        Não havia forro no aposento. O madeiramento do telhado era bem alto, com caibros de aspecto rústico.A ave pousou em um deles e lá se acomodou.

        Aí começou o drama: fazer com que ela saisse novamente pela janela.

        Não surtiram efeitos os barulhos, gestos e lançamentos de objetos na direção da pequena ave.

        Ela fazia acrobacias mil por todo o espaço e às vezes dava até umas rasantes que obrigavam o casal a se abaixar.

        Foi quando ele resolveu jogar o paletó de seu pijama.  A peça subia e caia e a ave continuava impávida, até que...

        Até que o paletó enroscou em um caibro bem alto.

        Aí a situação só se complicou. A andorinha saracoteava pelo quarto enquanto o pijama permanecia pendurado e em uma posição impossível de ser resgatado.

        A estas alturas o sono já dominava o casal que se deu por vencido. Fechou a janela e desistiu de espantar a ave.

        A solução foi se cobrirem até a cabeça para evitarem surpresas em plena madrugada. Adormeceram receosos de acordarem no meio da noite com algum míssil de fezes explodindo bem no rosto.

        Na manhã seguinte acordaram e já se depararam com a avezinha toda lampeira e feliz após ter curtido uma noite diferenciada, revoando pelo espaço aéreo do quarto. Foi só abrir a janela e ela saiu num átimo em busca de seu café da manhã. 

        Ela chegou a ver um sorriso irônico no biquinho da andorinha.

        Em tempo: o paletó do pijama foi posteriormente resgatado.

        Mais recentemente um outro casal também teve uma companhia singular em seu quarto.

        Hospedados em um local bem próximo à natureza, não contavam com um terceiro ser devidamente acomodado no cantinho da parede.

        Na verdade foi visto de soslaio por ela, mas por estar sem óculos considerou que era simplesmente um daqueles objetos que chamamos de peso de porta.

        O tal peso de porta era na verdade um gorducho sapo bem vivo que quietinho aproveitava o aconchego do quarto. 

        Na manhã seguinte foi reconhecido e recebeu a devida carta de despejo do aposento.

        Ainda bem que nos dois casos não houve acidentes e nem gritarias em plena madrugada. 

        Foram companhias bem comportadas.


Santos, 1 de maio de 2025.